Cuidado com o investimento em combustíveis fósseis ou em hotéis à beira-mar, afirma o Prémio Nobel Robert F. Engle

Robert F. Engle. Créditos: Cedida (Universidad Pontificia Comillas)

Os mercados de capitais esqueceram-se da sustentabilidade? Carteiras, greenwashing, stress testing e risco a longo prazo. Foi esta a dissertação de Robert F. Engle, professor emérito da NYU Stern e vencedor do Prémio de Ciências Económicas em memória de Alfred Nobel em 2003, no âmbito da Conferência sobre Finanças do Clima e da Economia de Hidrogénio organizada pela Cátedra de Hidrogénio Verde da Comillas ICAI-ICADE.

Na sua intervenção, o Professor Engle colocou e respondeu a perguntas muito relevantes, entre elas: a que se deve a pior evolução relativa dos fundos sustentáveis nos últimos anos, como se pode construir uma carteira contra as alterações climáticas, ou, será Putin um ativista climático?

Hotéis e gasolina

Para o Professor Engle, em termos de alterações climáticas, o investimento em combustíveis fósseis é comparável a investir num hotel à beira-mar: pode ganhar-se dinheiro no curto prazo, mas a longo prazo enfrenta-se uma situação em que o valor do investimento se torna zero (porque já não são utilizados, no caso dos combustíveis, ou devido à subida do nível do mar, no caso dos hotéis). Seja devido a riscos físicos ou a riscos de transição, ambos investimentos correm o risco de se tornarem stranded assets.

A dinâmica do ciclo de investimento é semelhante. Por um lado, atualmente pode ser difícil desfazer-se desse ativo e também não faz sentido investir nele a longo prazo, dado que a sua vida pode ser mais curta do que esse período. Isto pode fazer com a oferta diminua, mas enquanto houver procura, os preços podem subir devido a este desequilíbrio e, por isso, os retornos podem aumentar. “Mas este fenómeno é temporário”, avisa Robert F. Engle. Há payoff a curto prazo, mas não a longo prazo.

Carteiras eficientes contra as alterações climáticas

Em cenários de riscos a longo prazo (se o mercado os compreender), os preços dos ativos expostos e os dos ativos não expostos devem comportar-se de forma desigual. Se surgir informação de que os riscos estão a aumentar, a carteira exposta deverá cair e a coberta deverá subir.

Para construir carteiras que possam estar protegidas contra riscos físicos e de transição das alterações climáticas, o Professor Engle propõe um modelo desenvolvido no NYU Stern Volatility and Risk Institute, do qual é codiretor. Este modelo estatístico visa encontrar carteiras de fundos que se valorizam quando surgem noticias sobre o aumento do risco climático. Trata-se do Climate Efficient Factor Mimicking Portfolio (De Nard, Engle & Kelly, 2023). São carteiras formadas por fundos orientados para o investimento no clima, otimizadas para reduzir a variância e maximizar a correlação com as notícias sobre o clima. A carteira é recalculada mensalmente. Os dados estão disponíveis para consulta na página web do instituto

Putin e o comportamento dos fundos sustentáveis

Quanto à razão pela qual a evolução da maioria dos fundos sustentáveis ter sofrido ultimamente, para Robert F. Engle é evidente que a subponderação em energia fóssil está a ter as suas consequências. A evolução desses preços energéticos está a responder ao padrão do hotel de praia, tem havido menos investimento, mas o aumento da procura pós-pandemia está a aumentar temporariamente a sua rentabilidade. “Este aumento da rentabilidade vai ter um impacto mínimo na oferta, uma vez que os novos investimentos podem ficar potencialmente bloqueados num mundo que caminha para as zero emissões líquidas”, afirma.  

Além disso, a situação dos combustíveis fósseis pode ajudar a explicar em parte a agressão da Rússia de Putin à Ucrânia. A guerra implica uma diminuição da oferta e a Rússia está a vender combustíveis fósseis a preços elevados, em parte porque sabe que vão valer muito menos, uma vez que a curva da procura será muito mais flexível daqui a 10 anos devido ao desenvolvimento das energias renováveis na Europa. Curiosamente, esse desenvolvimento acelerou muito após a invasão da Ucrânia, pelo que Putin pode ser, paradoxalmente, um ativista climático.