A avalanche de novidades regulatórias e os impactos que representam para a indústria de gestão de ativos é extensa. Por iniciativa do Bison Bank, juntaram-se quatro advogados, especializados em direito bancário, financeiro e fiscal, para aprofundar e enquadrar, em termos legais, muitos dos temas em cima da mesa.
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A avalanche de novidades regulatórias e os impactos que representam para a indústria de gestão de ativos é algo que poderia preencher páginas e páginas de texto ou muitas horas de discussão. No princípio do verão, a sociedade de advogados Cuatrecasas, em colaboração com a APFIPP, levaram a debate as principais novidades trazidas pelo novo Regime de Gestão de Ativos (RGA). Mais recentemente, foi por iniciativa do Bison Bank que se juntaram quatro advogados, especializados em direito bancário, financeiro e fiscal, para aprofundar e enquadrar em termos legais vários dos temas em cima da mesa que concernem à gestão de ativos.
Numa mesa redonda moderada por António Henriques, CEO do Bison Bank, o tema do (novo) RGA alimentou o arranque da discussão, com Paulo Câmara, da Sérvulo, a realçar uma das características mais marcantes deste diploma: a finalidade de aproximar o direito português ao direito europeu, sendo que o objetivo, segundo diz, é “eliminar aquilo que chamamos tecnicamente de gold plating, isto é, as exigências nacionais que não têm correspondência no direito europeu”. Para o advogado, “não nos podemos dar ao luxo de ter sobrepesos e requisitos que sejam desproporcionados e que não tenham paralelo com os nossos concorrentes”. Contudo, acredita que o balanço que fica deste objetivo é, claramente, positivo.
Segundo conta, “é positivo também na ótica do passaporte europeu, isto é, a atividade de depositário é uma atividade de intermediação financeira, harmonizada, que pode ser exercida a partir de uma autorização no espaço da União Europeia, através de um procedimento simplificado: o passaporte europeu”. Para Paulo Câmara, a revisão que está em curso da Diretiva dos Fundos de Investimento Alternativo (AIFMD) permitirá, à partida, uma abertura aos depositários nacionais para prestar a sua atividade fora do território nacional, noutros países europeus, e inversamente poder haver depositários europeus a querer exercer em Portugal a sua atividade. “Isto traz mais massa crítica, mais oportunidades aos bancos que operam em Portugal e mais liberdade por parte das entidades gestoras, o que reverte sempre em benefício dos investidores”, atesta.
Por seu lado, Francisco Soares Machado, da Cuatrecasas, especifica o âmbito que abre as portas a essa atividade no mercado da União Europeia . “Em breve, vamos ter a AIFMD a ser aprovada, e o que o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu fizeram foi especificar as condições em que este passaporte a meio caminho pode ser exercido. Há determinadas condições e são algo apertadas. O que se prevê neste momento é que a análise deve ser casuística, país a país, regulador a regulador e sociedade gestora a sociedade gestora, tendo em conta a estratégia de investimento do fundo e o facto de haver pouca concorrência no mercado nacional, no mercado dos depositários”, esclarece.
Como explica, serão estabelecidos determinados limites quantitativos para determinar o que é “haver pouca concorrência”. Um deles é “haver menos de sete depositários a operar no país, o que não é o caso de Portugal”. O segundo, por seu lado, o montante de assets under deposit, já impacta o nosso país: “Portugal parece que pode cumprir esse critério e ser considerado de baixa concorrência”, diz. “A ideia é a de poder vir a haver um depositário transfronteiriço, sim, de alguma forma, mas apenas quando haja uma necessidade muito concreta, muito justificada, para determinado fundo”. Pode ocorrer em “fundos que ainda não encontrem uma oferta de depositários muito desenvolvida, como pode ser, por exemplo, um fundo de criptoativos”, detalha.
Para o advogado, o objetivo da Comissão é mesmo fomentar a concorrência e baixar os custos para os consumidores. Acredita, por isso, que “é importante que os depositários se consigam especializar, ter uma estrutura que permita ter um valor acrescentado que permita proteger a sua posição de mercado face a possíveis concorrentes externos, e aí decorrem os riscos, mas são riscos temperados pelo facto de este ser um regime intermédio que impõe muitas condições para que possa vir a ocorrer”. Por outro lado, vê também a oportunidade para os depositários portugueses expandirem o seu mercado e prestarem serviço noutros países, principalmente em países mais pequenos.
Os vistos dourados e as suas (potenciais) limitações
Joana Cunha d'Almeida, advogada fiscalista na Antas da Cunha Ecija, vê com algum otimismo a evolução dos vistos gold. “O golden visa, tal como o conhecemos, na dinâmica de investimento imobiliário direto, vai de facto acabar, mas está prevista na nova lei, que entrará em vigor em breve, uma outra forma de concessão de autorização de residência em território português, que decorre do investimento na aquisição de partes de organismos de investimento coletivo não imobiliários, que não façam investimentos imobiliários e que invistam pelo menos 60% do seu património em empresas sediadas em território português”, aponta.
Para a especialista, coloca-se aqui a questão de saber o que é considerado investimento imobiliário para se perceber os contornos desta limitação ao investimento imobiliário. “Será que podemos considerar que quando um OIC investe numa empresa de produção de vinho do Porto, que está em fase de aquisição de novos terrenos no Douro para aumentar a sua produção, é considerado um investimento imobiliário? Os OIC em causa poderão investir em sociedades em ativos imobiliários relevantes e que façam investimentos imobiliários, sem que tal possa ser considerado como uma limitação à obtenção da autorização de residência neste âmbito”, alerta.
Ativos digitais e tokenização
Perante a questão se um OIC pode comprar diretamente para o seu balanço ativos virtuais, Joana Cunha d’Almeida responde: “Pode, mas a questão com implicação fiscal é percebermos quais são os tipos de OIC que de facto o poderão fazer, podendo beneficiar do regime fiscal associado aos OIC tal como hoje em dia está configurado”.
Segundo explica, podemos falar neste âmbito de dois tipos de OIC em particular: os fundos de capital de risco, na sua nomenclatura atual (ou os denominados de OIA alternativos de capital de risco ao abrigo do (novo) RGA) e dos fundos de investimento alternativo especializado (OIA em ativos não financeiros de acordo com a nova designação). “A conclusão quanto ao tipo de fundo que em termos regulatórios é o mais adequado vai definir o tratamento fiscal a conferir, não só na esfera do fundo como também dos seus participantes” , aponta. Alerta, também, para o facto de nem todos os fundos exigirem que o investimento seja realizado por investidores qualificados: “Portanto, tendo em mente o tipo de investidores que podemos equacionar para este mercado, pode aqui fazer mais sentido que nos mantenhamos com um OIC que não exige esse tipo de qualificação de investidor e que ainda assim nos permita chegar a um regime fiscal mais interessante”, diz.
Finalmente, Filipe Lowndes Marques, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva, desenvolveu o tema da tokenização de ativos reais. Como explica o advogado, “um token é basicamente, um ativo digital que representa um valor e existe num sistema descentralizado”. Já a tokenização é, essencialmente, a transformação de um ativo real num ativo digital. “Se antes tínhamos o título físico, agora teríamos o token. Não estando ainda nessa fase, em termos práticos, nas operações de tokenização, estamos a falar de um derivado. Temos as ações e UP, e temos um interesse contratual no benefício dessas ações, e esse, sim, é tokenizável”, explica. “Muitas vezes, as questões que surgem sobre tokens passam por determinar se um token deve ser considerado um valor mobiliário ou não. Da perspetiva da CMVM, parece-me bastante sensato afirmar que a resposta a essa questão depende de uma análise caso a caso, a fim de perceber se ele, de facto, possui a natureza de um valor mobiliário”, expõe. Se o for, segundo explica Filipe Marques, considerado um valor mobiliário, “estará sujeito a todas as regras do código de valores mobiliários, incluindo as ofertas públicas, entre outras regulamentações”.
Para o advogado, na perspetiva de sociedades gestoras de ativos, “se um token for considerado um valor mobiliário, facilita muito a vida porque se encaixa em muitas das tabelas preexistentes”. As vantagens são diversas:“Primeiro, o custo é muito mais baixo. Fazer uma emissão de tokens na blockchain é tipicamente muito mais económico do que estruturar algum tipo de valor mobiliário ou instrumento similar”, explica. “Tem um alcance muito maior de potenciais investidores do que teria uma ação ou uma UP”, conta Filipe Marques e “em teoria, teria muito mais liquidez, pois a transmissibilidade é muito mais fácil”. Por fim, “também há maior eficiência operacional ao longo da vida desse investimento, por via das funcionalidades dos smart contracts”.