O esforço notável da CMVM e a maior responsabilidade das entidades: o RGA narrado por quatro players

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Paulo Costa Martins, Pedro Lino, Luís Figueiredo, João Lino de Castro, João Valente Martins. Créditos: Cuatrecasas

O Regime de Gestão de Ativos continua a suscitar debate no seio da comunidade financeira. A consulta pública do seu regulamento está aberta até ao próximo dia 2 de agosto e, neste contexto, a sociedade de advogados Cuatrecasas em colaboração com a APFIPP levaram a debate as principais novidades trazidas pelo novo Regime.

Entre outros momentos de discussão e troca de ideias, foi numa mesa redonda moderada por Paulo Costa Martins, sócio da Cuatrecasas, que se agregaram os insights de quatro SGOIC nacionais. O que traz este regime de novo? Como veem as sociedades a passagem de um modelo de regulação ex ante para um modelo ex post?


Uma responsabilidade positiva

Pedro Lino, presidente do Conselho de Administração da Optimize IP, começou por referir que a entrada em vigor do RGA tem, sobretudo, “um ganho líquido grande para as sociedades e para gestão de ativos”. Na sua opinião, a supervisão ex post trará “mais responsabilidade às entidades”, mas esse é também “o valor do negócio”. “Quem está à frente de uma sociedade gestora tem de ter responsabilidades. Não me assusta nada, e acho que é positivo”, referiu mesmo. Outro dos pontos que assinala como positivos tem que ver com os pedidos de esclarecimento feitos à CMVM sobre determinados processos. Com o novo regime, a suspensão do prazo não é ativada, e isso fará com que, na opinião do administrador, “os processos não se arrastem”. Por fim, assinalou ainda o facto de as SGOIC não necessitarem de uma autorização prévia para gerir OIA. Um movimento que também vê com bons olhos, mas que, a seu ver, pode trazer alguma confusão sobre os custos. “A imagem que talvez está a passar é de que agora passa a ser muito fácil criar fundos, nomeadamente OIA. Há que ter em conta que é sempre necessária uma estrutura organizacional, recursos humanos, etc. A primeira perceção é que pode existir algum facilitismo. Cabe às próprias sociedades e à indústria combater essa ideia”, alertou o responsável.

João Lino de Castro, presidente do conselho de administração da Lynx Asset Managers, também começou a sua intervenção com notas positivas. Tal como Pedro Lino, acredita que “a indústria pode funcionar muito melhor, embora com mais responsabilidade”, com o novo Regime. A responsabilidade pede também muito know-how, e o responsável fez questão de assinalar que entidades como a Lynx AM “exigem muito conhecimento”, pois abarcam a gestão de vários tipos de fundos. “Às vezes é difícil reter tanto conhecimento. Cada vez mais esta responsabilidade que nos é imposta obriga a que consigamos manter nos nossos quadros as pessoas mais apetrechadas de conhecimento. Isso também é um trabalho redobrado para nós”, confessou. 

Noutro âmbito, o da diferenciação entre sociedades de maior e pequena dimensão, o profissional deixou uma nota de temor. “Preocupa-me que possamos ter uma concorrência que não seja de saudar. É um pouco perigoso que as próprias sociedades gestoras possam ser atacadas por sociedades de menor dimensão, talvez menos preparadas e com menor conhecimento. É importante que não se sinta da parte do mercado uma agressividade maior do que aquela que é necessária, ou que os clientes pensem em mudar de sociedade gestora apenas porque lhe retiraram umas décimas à comissão de gestão”, sublinha.

"Foi um processo legislativo longo, mas amadurecido que se iniciou ainda sob a presidência da Dra. Gabriela Figueiredo Dias na CMVM". Luís Figueiredo, administrador executivo da Santander Asset Management (SAM), começou por descrever deste modo o RGA. Destacando a celeridade e simplificação de processos que este regime irá trazer e as óbvias vantagens já referidas, o responsável da SAM destacou a importância da redução dos tipos legais de fundos e das sociedades. “Ficamos simplesmente com os OICVM e os OIA. A simplificação das sociedades também é algo positivo, com a divisão entre SGOIC e sociedades de capital de risco. Do mesmo modo, uma subdivisão entre as de grande e as de pequena dimensão também traz simplicidade”, afirmou.

Dentro dos Organismos de Investimento Imobiliário, também há aspetos que o administrador aplaude. No que concerne aos limites de investimento destes veículos, o profissional assinala que “nos fundos abertos os limites mantêm-se idênticos ao que já existiam, enquanto nos fechados de subscrição particular houve praticamente a eliminação dos limites que estavam em vigor e faziam parte do RGOIC e no Regulamento 2/2015, mantendo-se no projeto de novo Regulamento apenas o limite mínimo de investimento em imóveis de 2/3 do total do ativo total. “É um ponto que me parece importante”, enfatiza. Mais salientou que os imóveis elegíveis no RGOIC eram prédios urbanos e fracções autónomas. "O RGA acrescenta os prédios rústicos e mistos para qualquer tipo de OIA Imobiliário e considero esta uma grande novidade na composição do património dos fundos ao passar a acomodar esta natureza de ativos em todos os fundos imobiliários, pelo que a ampliação a todo tipo de imóveis na composição dos fundos (abertos ou fechados) vemos como uma medida positiva", concluiu.

Do lado da Heed Capital, a nota positiva sobre o RGA também foi reafirmada. “Acho que precisávamos deste quadro regulatório comum e isso é muito importante. Houve uma intenção de simplificar e desburocratizar, e isso em Portugal não é costume”, apontou João Valente Martins, responsável de Compliance e Risco da entidade, enfatizando que se verifica também um reforço do princípio da proporcionalidade. Na sua perspetiva, a alteração do modelo regulatório vai ser o game changer para o mercado. “Isto vai ser particularmente exigente. Fico feliz com a simplificação, mas para as áreas de controlo interno isto vai ser particularmente exigente. O que, na verdade, também é positivo. Agora vamos ter de estar mais seguros naquilo que estamos a fazer”, perspetiva. Tendo presente esta mudança de paradigma ex ante para ex post, o responsável assinala ainda que “as sociedades vão ser avaliadas pelo regulador com base em conceitos que têm uma grande elasticidade interpretativa, como seja por exemplo: a equidade ou integridade do mercado, o que para as áreas de controlo interno significa ter um controlo e uma exigência extra”, acredita.

Pontos a afinar

Embora o tom seja de muito positivismo, há aspetos que os presentes quiseram destacar como menos interessantes. Pedro Lino, por exemplo, lembrou alguma falta de harmonia na regulação a que estão sujeitos os vários tipos de PPR. “O RGA harmoniza todos os fundos que são supervisionados pela CMVM. Mas as SGOIC também gerem outro tipo de OIC, como os PPR, cujo lançamento e gestão, curiosamente, podem ser feitos por outro tipo de entidades”, iniciou. Referindo-se, obviamente, às seguradoras e gestoras de fundos de pensões a par das SGOIC neste trabalho, o administrador da Optimize é da opinião de que “este regime perpetua um pouco a situação de concorrência desleal que existe neste âmbito”. O mesmo level playing field não existe, para Pedro Lino, entre aspetos como o governo de produto, mercado-alvo, regras de publicidade ou a contratação à distância. “São alguns dos temas em que as exigências são diferentes”, remata.

A diferenciação entre entidades de pequena e grande dimensão, embora na opinião de João Lino de Castro faça sentido, tem algumas vicissitudes, como começou por abordar no início do debate. No setor imobiliário, por exemplo, o profissional assinala a dificuldade nessa destrinça. “Existem zero entidades de pequena dimensão, porque é muito difícil existirem entidades que gerem Organismos de Investimento Alternativo Imobiliários sem alavancagem e o limite de 100 milhões de ativos é facilmente atingível. O inverso acontece com as sociedades de capital de risco, porque praticamente não existe nenhuma de grande dimensão, uma vez que o endividamento não ocorre no âmbito do Organismo de Investimento, mas nas suas participadas, o que faz com que os ativos geridos sejam de menor valor". Na sua opinião, existe, portanto, “alguma injustiça nesta divisão”, apesar de achar que esta separação “não irá ser assim tão relevante”, pois, no seu entender, “serão poucas as sociedades de pequena dimensão”, refere.