Dívida governamental europeia: core ou periferia?

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João Zorro, Joel Carvalheira, Ramón Carrasco, Ricardo Duarte Silva. Créditos: Vitor Duarte

Numa conversa que junte profissionais do setor da gestão de ativos e em que se fale de rendimento fixo não pode faltar o tema da duração, mas também a clássica visão sobre core vs. periferia na Europa, ou dívida de governos vs. dívida de empresas. Num debate recente promovido pela Carmignac, percebemos que os profissionais que lidam com carteiras de obrigações estão convictos de que há duração para aumentar - embora com cautela - mas foi essencial perceber também como olham, por esta altura, para a atratividade de cada segmento em específico.

Ramón Carrasco, diretor de Desenvolvimento de Negócio, Carmignac, começou por dar o mote para as preferências da casa. Entre dívida de governos e de empresas, de forma genérica, houve um reposicionamento. “No passado, o nosso foco era maior em crédito de empresas face à dívida de governos. Atualmente, devido ao cenário de uma recessão e de incerteza, mas também devido à recompensa oferecida pelos governos, aumentámos a exposição estes últimos”, começou por referir. Contudo, é vocal quanto à ideia de que existem yields nos dois segmentos, como o próprio fez questão de realçar. Se afunilarmos a preferência, e as opções forem entre dívida de governos da Europa vs. EUA, a Europa é onde a casa francesa vê mais valor. “Em termos de países, e colocando como referência a Alemanha, é importante o foco no PIB. Se considerarmos Alemanha vs. Portugal, ou vs. até mesmo Espanha, vemos que o crescimento em Portugal ou Espanha é muito mais significativo do que na Alemanha. Na Alemanha coloca-se em cima da mesa um cenário de uma recessão”, afirmou Ramón Carrasco. Posto isto, o seu conselho é só um: “Há que fazer bond picking”.

A hegemonia dos govies core

Os restantes convidados para o debate coincidiram genericamente no facto de a dívida de países core europeus ser atualmente a mais atrativa. Contextualizando, Joel Carvalheira, responsável de Rendimento Fixo da Caixa Gestão de Ativos, começou por lembrar que a última década acabou por trazer bastante sofrimento à atratividade da dívida periférica, com as diferenças entre norte e sul da Europa a serem evidentes. Agora, contudo, há vários elementos que entram na equação do que define a atratividade. “Estamos num cenário em que temos de considerar sempre as valuations e em que níveis estão os spreads, bem como as yields de determinadas economias. Temos que ter sempre em conta, também, a situação política de cada país”, assinalou.

A própria ação do BCE tem tido o seu impacto, e o profissional da Caixa GA também o relembra. Ferramentas desenhadas pelo banco central, como o TPI (Transmition Protection Instrument) acabaram por, como o próprio diz, “colocar um cap nos spreads da periferia”. “No entanto, atualmente tendemos a estar mais sobreponderados na parte core da Europa do que na periferia”, assinalou. A exceção pode dizer-se que é Itália. Com um sentimento que apelida de misto sobre o país, o profissional assinala o papel da política. “O spread é atrativo, mas temos de ter em consideração a fraqueza da economia do país e a sua situação política”. Embora a coligação governativa no país até tenha sido mais positiva do que o esperado, Joel Carvalheira admite que continuam subponderados em dívida italiana - apesar de ser visível algum carry -  mas essencialmente “por causa do ligeiro risco que espreita sempre no seu sistema financeiro”. Resumindo, o profissional explica que estão expostos“muito mais em duração via países core do que na periferia”.

Do mesmo modo, João Zorro, responsável de Ações e Rendimento Fixo da GNB Gestão de Ativos, considera os países core europeus como essenciais. “Na Europa estamos apenas nos mercados core, exceto no curto prazo, onde fazemos o roll de alguma dívida de Itália, por exemplo. Tanto quanto podemos, temos 100% em carry e depois alavancagem com futuros para algumas coisas mais de longo prazo”, começou por resumir o profissional.

No entanto, e apesar de todas as layers existentes quando se analisa dívida, o profissional relata que na entidade onde trabalha acabam por manter o processo simples. “Tentamos não prestar assim tanta atenção a determinadas dinâmicas, como a possível recessão na Alemanha, por exemplo. Tentamos, sim, focar nas taxas em termos absolutos, dentro dos países core, e manter o processo muito simples”, atesta. Considera que os spreads entre as obrigações periféricas e as core são uma parte da avaliação do risco que  “foi demasiado longe” e, por isso, o posicionamento nas carteiras passa por “algum trading no curto prazo, seguindo o mercado, mas mantendo  alguma preocupação com o longo prazo, e seguindo um posicionamento muito tático”, concluiu.

O quórum continuou com Ricardo Duarte Silva, gestor de Carteiras e selecionador de Fundos da CA Gest. Isto porque também este profissional vê nos países core mais valor, dentro da dívida de governos. “Portugal, Espanha e Itália representam uma pequena parte da nossa alocação”, revela mesmo, frisando que a parte periférica prefere reservá-la para a alocação a dívida de empresas, com uma duração mais baixa do que aquela que têm em governos.

Na dívida soberana italiana, também a opinião deste profissional não difere das anteriores. Aponta que durante algum tempo a exposição a dívida do país não existia, mas, quando querem ser mais táticos, adicionam alguma ponderação a estes títulos. No entanto, é perentório: “Tudo depende dos níveis que estamos a observar”.

Genericamente, o profissional concorda com tudo o referido pelos colegas, nomeadamente a ideia de que “numa espécie de cenário risk off, os spreads periféricos tendem a comportar-se pior”. Apesar disso, alerta que se houver um consenso de que  “nos estamos a mover para um ambiente de mercado mais difícil para os ativos de risco, talvez diversifiquemos por essa via também”, concluiu.