15.º aniversário da Lehman Brothers: o que falhou para que o sistema entrasse em colapso?

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Alvaro Antón Luna. Créditos: Cedida (abrdn)

TRIBUNA de Álvaro Antón Luna, responsável pelo negócio na Península Ibérica na abrdn. Comentário patrocinado pela abrdn.

Em 2008, um lema imperava no mercado: o da regulamentação leve. Os políticos conheciam as vantagens de contar com um sistema bancário muito rentável e a ausência de crises nos anos anteriores, juntamente com declarações de economistas e banqueiros centrais, fez com que acreditassem que o sistema era sólido e se autorregulava.

Os traders e banqueiros dos bancos rentáveis receberam grandes prémios. Os bónus dos CEO desses bancos rentáveis foram gigantescos. Quem é que ia estragar a festa sem os reguladores? Ninguém.

A história demonstra que quando o sistema financeiro organiza este tipo de festas plurianuais sem controlo, as coisas descambam e a ressaca é grande. O que deveríamos saber na altura, e que sabemos bem agora, é que o facto de a perceção de risco diminuir, não significa que o risco desapareceu. O economista Hyman Minsky observou ao longo de décadas que, durante as alturas de aparente diminuição do risco, este tende a aumentar para níveis perigosos. Se olharmos para trás e analisarmos os comentários arrogantes de políticos, responsáveis políticos, economistas e banqueiros, é inacreditável como todos diziam a mesma coisa.

Os problemas começaram décadas antes da implosão do Lehman Brothers, no seguimento da Grande Depressão. Em 1933, para proteger os cidadãos dos comportamentos irresponsáveis de Wall Street, o Congresso americano aprovou a Lei Glass-Steagall, que obrigava a separar as atividades bancárias comerciais das atividades de investimento. Mas em meados da década de 90, a Grande Depressão tinha-se convertido numa mera curiosidade histórica e não num verdadeiro fundamento para a regulamentação do sistema financeiro moderno e sofisticado. A lei foi abolida pelo presidente Clinton no seguimento da regulamentação posterior a Reagan e a economia continuou a prosperar.

A resposta do sistema financeiro foi rápida e dramática. A atividade de fusões e aquisições disparou e Wall Street apoderou-se da concorrência e construiu Golias que ofereciam todos os serviços financeiros. O mercado era dominado pelos megabancos. Que haja poucos bancos enormes não é necessariamente um problema. Contudo, a opinião dominante considerava que as técnicas de cobertura e gestão de risco sofisticadas, apoiadas em suposições baseadas numa pequena amostra de dados históricos, implicavam que estes bancos eram estáveis e completamente seguros. A altivez do espírito precede a queda.

O foco da regulamentação era quase semelhante a marcar os deveres, uma vez que a quantidade de capital que um banco necessitava manter (para garantir que conseguia pagar os seus passivos a curto prazo) estava relacionadas com o quão arriscados eram os ativos do banco (capital ponderado pelo risco). Cabia ao banco decidir o grau de risco dos seus ativos. A magia da teoria financeira moderna, as agência de rating cúmplices e uma série de pressupostos duvidosos fizeram com que muitos destes ativos não apresentassem muito risco. O resultado foi uma enorme alavancagem. As posições de capital de 4% ou 5% dos ativos eram a regra, com as quais os grandes bancos se alavancaram até 25 vezes ou mais. Nestas condições, o capital de um banco pode desaparecer em alguns dias.

Mas os governos gostavam dos bancos, porque davam emprego a muita gente bem remunerada que pagava muitos impostos. Não havia qualquer desejo em intervir e regular. Os economistas e banqueiros centrais gostavam dos bancos porque a sua abordagem moderna e quantitativa significava que o risco tinha sido praticamente abolido. E os banqueiros e CEO adoravam este ambiente: a sua capacidade para enriquecer era quase ilimitada. Os preços dos ativos subiam e todos ganhavam.

A 17 de setembro de 2008, todo este edifício estava em ruínas. Muitos dos ativos nas mãos dos bancos não valiam praticamente nada. A alavancagem dos ativos tóxicos do sistema fez com que o colapso fosse rápido e avassalador. Os governos tiveram de intervir com o dinheiro dos contribuintes para resgatar os bancos. Parte desse dinheiro foi utilizado para pagar mais prémios aos mesmos obreiros da queda, o que enfureceu a opinião pública.  Resultado: a política bancária mudou radicalmente.

A resposta reguladora foi severa. A principal norma posterior à grande crise financeira foi a Lei Dodd-Frank, aprovada em 2010. Com mais de 2300 páginas, é provável que poucos congressistas a tenham lido na totalidade, mas implicava uma mudança radical. Outros esforços coordenados a uma escala global, como o Comité de Basileia, propuseram novas alterações. As disposições sobre a ponderação de risco tornaram-se mais prescritivas; a alavancagem e a liquidez passaram a ter um controlo rigoroso; as pessoas começaram a ser diretamente responsáveis pelo seu comportamento e pelas políticas dos seus departamentos; as interações entre os bancos e os seus clientes passaram a ser supervisionadas e controladas. A banca estava quase irreconhecível e muito menos rentável graças aos limites de alavancagem. Para evitar futuros resgates por parte dos governos, obrigou-se os bancos a emitir capital destinado a assumir perdas em caso de incumprimento (capital de resgate).

Apresar de toda a regulamentação pós-crise, em março de 2023, o sistema bancário norte-americano sofreu o segundo e o terceiro maiores incumprimentos bancários da história. O governo considerou até necessário apoiar o sistema com garantias de depósitos além das disponibilizadas através da Federal Deposit Insurance Corporation. Entretanto, o capital de resgate do Credit Suisse foi tão eficaz que a sua nova empresa-mãe, a UBS, apresentou lucros impressionantes na transação e os investidores em obrigações da entidade suíça, agora aniquiladas, procuraram compensação através dos tribunais, com o argumento de que o governo tinha alterado ilegalmente a prioridade amplamente aceite dentro da estrutura de capital.

A causa deste e de outros incumprimentos em 2023 não foi o excesso de alavancagem nem o investimento em ativos tóxicos, mas sim as perdas não realizadas nos ativos mais seguros — as obrigações do Tesouro norte-americano —, cujo valor tinha caído na sequência das subidas agressivas das taxas de juro por parte da Reserva Federal. Os reguladores estiveram a travar a última batalha.