Comercialização internacional de OICVM: aspetos a destacar

Márcio Carreira Nobre e Natacha Branco. TELLES
Márcio Carreira Nobre e Natacha Branco. Créditos: cedida (TELLES)

COLABORAÇÃO de Márcio Carreira Nobre, sócio e coordenador da área de Financeiro e Mercado de Capitais, e Natacha Branco, advogada na área de Financeiro e Mercado de Capitais, TELLES.

A comercialização internacional de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) assume-se como um dos mais relevantes pontos para a diversificação de investimento através do recurso a outros mercados. Falamos do chamado passaporte de comercialização, que permite que os OICVM autorizados pelas autoridades nacionais competentes, sejam comercializados sem necessidade de autorização do Estado em que se pretende comercializar.

Desde a Diretiva 2009/65/CE, de 13 de julho de 2009, que se prevê a possibilidade de as unidades de participação de um OICVM serem comercializadas noutros EM, sujeitos a mero procedimento de notificação assente na comunicação entre as autoridades competentes dos EM, não devendo o Estado de acolhimento opor-se ao acesso ao seu mercado por parte de um OICVM estabelecido noutro EM, desde que existam dispositivos que permitam efetuar pagamentos aos titulares das unidades de participação, a sua reaquisição ou resgate e sejam assegurados os deveres de informação. Esta é a solução atual em Portugal prevista no Regime da Gestão de Ativos, que consagra esta ideia de mercado único de comercialização e de consequente facilitação da comercialização entre Estados Membros.

A comercialização de OICVM da UE em Portugal depende de procedimento de notificação, através do envio à CMVM, pela autoridade competente do país de origem, de carta de notificação, em português, inglês ou noutro idioma aprovado pela CMVM, elaborada nos termos do Regulamento (UE) n.o584/2010, com a demais documentação legalmente exigida, onde se inclui certificado emitido pela autoridade competente do Estado-Membro de origem, atestando que o mesmo cumpre com os requisitos previstos na legislação da União Europeia relativa aos OICVM.

Quando tal comercialização ocorra junto de investidores não profissionais, a sociedade gestora tem de assegurar que dispõe dos meios necessários em Portugal, (i) ao pleno exercício de direitos sobre as unidades de participação, no que toca ao processamento de ordens subscrição, pagamento, recompra e resgate de unidades de participação; (ii) ao cumprimento do dever de informação aos investidores; (iii) ao tratamento de informações sobre o exercício dos direitos dos investidores associados aos seus investimentos, sendo que tratando-se de OICVM o acesso aos procedimentos e mecanismos de tratamento de reclamações; (iv) à disponibilização aos investidores, em suporte duradouro para consulta ou cópia o prospeto, o relatório anual e relatórios semestrais, o documento com as informações fundamentais destinadas aos investidores e as informações relativas às funções executadas em Portugal, e que (v) funciona como ponto de contacto com a CMVM. A sociedade gestora pode comercializar o OICVM a partir da data em que é notificada pela autoridade competente de que esta transmitiu à CMVM os documentos necessários. A sociedade gestora terá de facultar aos investidores as informações e documentos, bem como as alterações, que devem ser disponibilizados no EM de origem do OICVM.

Já a comercialização de OICVM autorizado em Portugal noutro EM é igualmente precedida do procedimento de notificação, efetuado pela CMVM, dos documentos acima mencionados mutatis mutandis, no prazo de 10 dias à autoridade competente do EM para atestar que o OICVM cumpre os requisitos da legislação aplicável. A sociedade gestora poderá iniciar a comercialização logo que notificada da transmissão. 

Tanto numa situação como noutra, a sociedade gestora tem o dever de comunicar as alterações à informação constante dos documentos de suporte à comunicação, havendo a hipótese de ser deduzida oposição pelas respetivas autoridades competentes face a essas mesmas alterações.

 Na esteira das conclusões resultantes da recente auditoria do Tribunal de Contas Europeu à eficácia do quadro regulamentar europeu nesta matéria, a aparente simplicidade do regime não tem implicado um verdadeiro mercado único que beneficie os investidores, mas sim um mercado fragmentado, já que a maioria está domiciliada somente nalguns países. Outro dos pontos menos positivos a apontar ao status quo é que ainda que não sejam devidas taxas adicionais junto da CMVM, tem-se verificado um aumento dos custos com a gestão destes OICVM, o que contrariando a teleologia do regime, prejudica os investidores. Neste aspeto será de primordial importância a recomendação do Tribunal de Contas Europeu para que a ESMA desenvolva até ao próximo ano um instrumento que permita aos investidores obter informações sobre todos os fundos, por país de distribuição, comparando custos e desempenho.