Francisco Falcão (Hawkclaw): "O tema do segundo semestre será o crescimento económico, ou a falta deste"

Hawkclaw Capital Advisors Francisco Falcão credito
Francisco Falcão. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Francisco Falcão, diretor geral da Hawkclaw Capital Advisors.

A primeira metade do ano de 2022 foi um período difícil para os investidores, com fortes correções nas principais classes de ativos tradicionais. O mercado acionista registou um dos piores arranques desde 1932, enquanto o mercado obrigacionista já não testemunhava uma queda desta magnitude desde a década de 1990. A par disso, o nível de correlação entre as classes de ativos foi extremamente elevado reduzindo um potencial efeito de diversificação.

Esta dinâmica resultou da alteração, promovida pelos bancos centrais, no regime de taxas de juro e planos de compra de ativos, tendo em vista combater a inflação. Esta resultou do aumento dos preços da energia, materiais e bens alimentares, como consequência da guerra Ucrânia-Rússia e da manutenção da disrupção das cadeias produtivas. De notar que, os níveis de inflação já vinham em crescendo desde o ano passado, com as autoridades monetárias a advogar tratar-se de algo transitório, mas o fenómeno exógeno da guerra forçou uma alteração no curso das políticas.

O desacelerar do crescimento económico

No nosso entender, enquanto o tema do primeiro semestre foi a inflação, o tema do segundo semestre será o crescimento económico, ou a falta deste.

O ciclo de subida das taxas de juro e de contração das condições financeiras deverá manter-se nos EUA e na Europa surtindo o efeito desejado de contenção do crescimento dos preços induzido pelo abrandamento económico.

Observando outros períodos da história, como o que decorreu na década de 1970 com Paul Volcker ao leme da Reserva Federal Americana (Fed), diríamos existir uma forte probabilidade das economias em ambos os lados do Atlântico entrarem em recessão num futuro próximo, ainda que por um período breve de tempo. O abrandamento da atividade será brusco devido ao efeito das medidas implementadas e ao atual cenário macroeconómico e geopolítico. No segundo semestre, o crescimento económico deverá ser muito próximo de zero depois da uma dinâmica entre 1%-2% na primeira metade do ano, enquanto a inflação deverá abrandar para cerca de 4%. A China deverá ser exceção com o crescimento económico a acelerar, mantendo-se a inflação em níveis baixos, em termos relativos.

O abrandamento da inflação poderá permitir o regresso da tradicional correlação entre classes de ativos (ações e obrigações soberanas), permitindo um certo alívio no que concerne ao investimento em ativos de risco. Após a forte contração dos múltiplos de avaliação já evidenciada nesta fase, será de esperar uma redução das expectativas em termos de resultados das empresas, o que poderá continuar a pressionar o mercado acionista e de crédito no curto prazo.

Existe valor

No entanto, vemos hoje valor no mercado acionista, tanto na Europa como nos EUA e na China. Destacamos vários setores cíclicos como o industrial, o financeiro e o tecnológico. Estamos mais reticentes relativamente ao setor imobiliário e a utilities. Recomendamos uma exposição diversificada e a construção de posições gradualmente, tendo em conta os atuais níveis de volatilidade.  

No mercado obrigacionista, consideramos que, no caso de dívida soberana americana, o downside já não será muito significativo. Existe potencial de retorno relevante nos prazos de 3 a 5 anos, beneficiando ainda de algum fluxo de flight-to-safety no caso de uma eventual recessão. Na Europa, continuamos a considerar que as yields ainda terão que caminhar para níveis idênticos aos EUA.

Quanto a risco de crédito, o alargamento dos spreads nas últimas semanas criaram algumas disparidades entre o prémio de risco decorrente das obrigações corporativas e o respetivo credit default swap (CDS), para prazos semelhantes. Este fenómeno pode ser explicado por problemas de liquidez, fluxos de venda resultantes de resgates em fundos de investimento e ainda desaparecimento de players relevantes (bancos centrais). Independentemente das taxas de incumprimento poderem subir nos próximos meses, consideramos que investimentos em investment grade serão já interessantes dado que o carry, quando analisado com a duration, é já atrativo.

Em termos de high yield, uma estratégia de buy-and-hold (deter até à maturidade), para prazos até 3 anos e em sectores cuja visibilidade da dinâmica do negócio e estrutura de balanço permitam vislumbrar a evolução da qualidade de crédito, poderá ser uma solução.

Por fim, em termos de matérias-primas, consideramos que os preços do complexo energético e metais industriais poderão estar perto do seu pico. Quanto aos preços dos produtos agrícolas estes deverão manter-se pressionados em alta, por questões relacionadas com a falta de fertilizantes e menor sensibilidade ao ciclo económico.

As escolhas de Francisco Falcão

Consideramos o cenário de uma recessão prolongada e de uma inflação persistente como o principal risco. Tal fato despoletaria graves problemas, quer ao nível empresarial como ao nível socioeconómico, com repercussões de caráter estrutural. Outros riscos aos quais continuamos atentos são a evolução da guerra na Europa, o COVID-19 e ainda a consequência das condições mais restritivas de acesso ao crédito, em setores como o imobiliário ou os bens de consumo discricionário.

Em termos de fundos de investimento, para a classe obrigacionista, optaríamos pelo PIMCO Low Duration Fund e o MFS Global Opportunistic Fund. No mercado acionista, consideramos que os setores que beneficiam das tendências de longo-prazo continuarão a permitir um crescimento dos lucros acima da média, pelo que vemos o Pictet Global Megatrend Selection como atrativo. No que toca a alternativos, o Winton Trend Fund UCITS poderá ser uma opção válida no atual contexto de elevada volatilidade.

Consideramos que é em momentos como o atual que devemos estar mais envolvidos no mercado, adotando sempre uma abordagem racional de forma a evitar que fatores de caráter emocional influenciem as nossas decisões de investimento.