Gonçalo Pestana (Haitong): “O próximo ano marcará uma tendência de inversão no comportamento das yields de longo prazo”

(Artigo de Gonçalo Pestana, managing director do Haitong Bank)

Quando há um ano atrás se perspetivava o que poderia ser 2020, certamente que ninguém esperaria o que veio a acontecer, com a grande maioria das economias mundiais a apresentar fortes quedas no PIB e, por consequência, os resultados das empresas a serem também fortemente penalizados. Do mesmo modo que poucos diriam que o mercado se comportaria de uma forma tão positiva, se se tivesse questionado os investidores sobre a possibilidade deste cenário pandémico ocorrer.

Com isto o que quero dizer é que, para nós, mais do que perspetivar o que poderá acontecer no ano seguinte, o mais importante é percebermos se a evolução dos ativos financeiros está a ser ou não proporcional à evolução dos seus fundamentais e tentarmos identificar onde existe valor nas diferentes classes de ativos.

Olhando para 2021, o consenso é de que as economias e os resultados das empresas apresentem forte crescimento, fruto dos progressos na vacinação e dos fortes estímulos monetários e fiscais concedidos pelos bancos centrais e pelos governos. A dificuldade, no próximo ano, será a de perceber o quanto desse otimismo é que já está descontado no preço dos ativos depois das fortes recuperações que assistimos em 2020.

Acreditamos também que, depois de vários anos de queda, o próximo ano marcará uma tendência de inversão no comportamento das yields de longo prazo, pois é natural que com todos os estímulos e as economias a recuperarem, as expectativas de inflação possam também subir. No entanto, na nossa perspetiva, esta subida deverá ser gradual.

Dado este enquadramento como vemos então a evolução nas classes de ativos? No mercado acionista existe para nós um grande tema que começou a aparecer no último trimestre e que consideramos poder ter força para se manter em 2021. O reaparecimento do “value”. Existe quanto a nós uma divergência exagerada de “valuations” entre as empresas de “growth” e as empresas de “value”. Esta divergência veio a acentuar-se nos últimos anos graças à forte queda das yields e, recentemente, em virtude da contração económica. Apesar dos melhores fundamentais do grupo das empresas de growth, parece-nos que este está demasiado caro, e acreditamos que com o inicio da subida das yields de longo prazo poderemos ver finalmente uma recuperação relativa das empresas de value. Em termos regionais, o reaparecimento do value poderá significar também um melhor ano relativo para os ativos europeus.

Existem, em paralelo, outros temas que continuarão a atrair os investidores e que merecerão a nossa atenção e investimento: o do ESG suportado pelas políticas na Europa e Estados Unidos; as novas tecnologias ligadas a diversos sectores (saúde, financeiro, industrial) com o desenvolvimento do 5G, e o ângulo chinês pois é nossa convicção de que a China sairá ainda mais forte desta crise e que existem inúmeras oportunidades para serem exploradas neste campo.

Na componente de fixed income, e no que toca ao risco soberano acreditamos numa subida generalizada das yields mas mais acentuada na parte longa das curvas, enquanto que no segmento  corporate já não vemos muito upside no estreitamento dos spreads das empresas apesar deste segmento ter um carry positivo quando comparado com a alternativa sem risco. Na componente de High yield consideramos a relação risco retorno pouco interessante.

Em termos dos principais riscos para o cenário central de 2021 vemos a possibilidade de novos “lockdowns”, como o que estamos a viver no final deste ano, e uma subida menos controlada das yields. Como referimos anteriormente, consideramos que a probabilidade deste cenário ocorrer é baixa, mas não deixamos de eleger este como um dos maiores riscos a monitorizar dado o posicionamento e a complacência dos mercados.

Para terminar, acreditamos que a abordagem para 2021 terá de ser mais seletiva, e que teremos um mercado menos “biased” para determinados sectores pelo que será importante ter uma gestão ativa para tirar partido das rotações que irão ocorrer. Pensamos que a volatilidade permanecerá elevada, sendo mais uma vez essencial interpretar as alterações do contexto e adaptar rapidamente os portfolios para poder acrescentar valor na sua gestão.

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As opiniões expedidas no presente texto são pessoais e apenas vinculam o seu Autor.