O regime dos Golden Visa na modalidade dos fundos de investimento

Rogério Fernandes Ferreira, Duarte Ornelas Monteiro e Ana Sofia Gariso. RFF Advogados
Rogério Fernandes Ferreira, Duarte Ornelas Monteiro e Ana Sofia Gariso. Créditos: cedida (RFF Advogados)

CONTRIBUTO de Rogério Fernandes Ferreira, managing partner, Duarte Ornelas Monteiro, advogado sénior coordenador, e Ana Sofia Gariso, advogada da RFF Lawyers.

Em vigor desde 2012, devido à necessidade de atrair investimento estrangeiro para Portugal, foi criado o regime de concessão de autorização de residência para atividades de investimento (ARI), também conhecido como Golden Visa.

O que é e a quem se destina

O regime ARI, consagrado na Lei de Estrangeiros de Fronteiras, foi introduzido pela Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, e é regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 84/2007, de 5 de novembro.

Este regime foi criado com o objetivo de atrair investidores estrangeiros, cidadãos de países terceiros, que estão interessados em obter uma Autorização de Residência que lhes permita circular no Espaço Schengen e, em última instância, dependendo do cumprimento de outros requisitos, obter a nacionalidade portuguesa.

Desenvolvimentos recentes

Devido às dificuldades de habitação que a população média trabalhadora enfrentava em Portugal, causadas, entre outras circunstâncias, pelos efeitos da inflação no mercado imobiliário, o governo português anunciou uma proposta de legislação com o intuito de revogar o regime dos Golden Visa.

Esta proposta foi discutida e votada na Assembleia da República, a par de outras medidas relacionadas com a crise da habitação em Portugal. O programa Mais Habitação, Lei n.º 56/2023, foi publicado a 6 de outubro de 2023 e entrou em vigor no dia imediatamente seguinte.

Este programa contém medidas concretas que, entre outros aspetos, visam alterar as regras relativas às autorizações de residência para atividades de investimento. Desta lei resulta a revogação de certas modalidades do regime ARI, através da décima terceira alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual.

Modalidades de Golden Visa revogadas

As seguintes modalidades de Golden Visa já não são aceites:

  1. Transferência de capitais no montante igual ou superior a € 1,500,000.00 para uma conta bancária portuguesa;
  2. Aquisição de bens imóveis; e
  3. Aquisição de bens imóveis com obras de reabilitação.

Modalidades de Golden Visa mantidas

Os seguintes investimentos continuam a ser elegíveis para Golden Visa: 

  1. Criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho;
  2. Transferência de capitais no montante igual ou superior a € 500.000,00, que seja aplicado em atividades de investigação desenvolvidas por instituições públicas ou privadas de investigação científica, integradas no sistema científico e tecnológico nacional;
  3. Transferência de capitais no montante igual ou superior a € 500.000,00, destinados à constituição de uma sociedade comercial com sede em território nacional, conjugada com a criação de cinco postos de trabalho permanentes, ou para reforço de capital social de uma sociedade comercial com sede em território nacional, já constituída, com a criação de pelo menos cinco postos de trabalho permanentes ou manutenção de pelo menos dez postos de trabalho, com um mínimo de cinco permanentes, e por um período mínimo de três anos;
  4. Transferência de capitais no montante igual ou superior a € 250.000,00, que seja aplicado em investimento ou apoio à produção artística, recuperação ou manutenção do património cultural nacional;
  5. Transferência de capitais no montante igual ou superior a € 500.000,00 destinados à aquisição de unidades de participação ou partes de organismos de investimento coletivo não imobiliários, cuja maturidade, no momento do investimento, seja de, pelo menos, cinco anos e que pelo menos 60% do valor dos investimentos seja concretizado em sociedades comerciais com sede em território nacional.

Fundos de investimento

A nova lei limitou o impacto das alterações aos investimentos diretos ou indiretamente relacionados com o mercado imobiliário com o aditamento do n.º 5 ao artigo 3.º da referida Lei, que se transcreve: “As atividades de investimento previstas nas subalíneas referidas no número anterior não se podem destinar, direta ou indiretamente, ao investimento imobiliário”.

Esta alteração teve também impacto nas modalidades que continuam a ser elegíveis para Golden Visa, destacando-se a transferência de capitais destinados à aquisição de unidades de participação ou partes em fundos de investimento, com o aditamento, no respetivo número da lei, de que estes devem ser não imobiliários. 

Por conseguinte, é importante analisar, antes de efetuar um investimento, se o fundo em que se pretende investir cumpre os requisitos para a obtenção de um Visto Gold, nomeadamente:

  1. Ser constituído nos termos da legislação portuguesa;
  2. Ter uma maturidade, no momento do investimento, de pelo menos cinco anos;
  3. Pelo menos 60% do montante do investimento ser efetuado em sociedades comerciais com sede em território nacional; e
  4. Não ser qualificado como fundo de investimento imobiliário.

Esta alteração legislativa levanta várias questões para as quais ainda não existe uma resposta clara, uma vez que o Decreto-Lei ainda não foi alterado em conformidade, nomeadamente:

  1. O que é investimento direto, mas, sobretudo, o que é considerado investimento indireto em imóveis;
  2. Se as sociedades/projetos em que os fundos de investimento investem desenvolvem atividades imobiliárias, podem ser elegíveis para Golden Visa;
  3. Se o objeto social das sociedades em que se pretende investir incluir a menção/CAE de atividades imobiliárias pode ser elegível para Golden Visa;
  4. Se se qualifica para Golden Visa o investimento efetuado em fundos/sociedades que detenham imóveis necessários à prossecução do seu objeto social e atividade.

Da nossa perspetiva, o investimento numa sociedade cujo objeto social é exclusivamente a compra e venda (ou arrendamento) de imóveis não será elegível para efeitos de obtenção de Golden Visa, no entanto, se o seu objeto social e respetiva atividade não forem exclusivamente imobiliários, cremos que deverá ser considerado elegível.

Consideramos também que o investimento num fundo ou sociedade que detém bens imóveis necessários para a prossecução do seu objeto social e atividade, nomeadamente negócios de hospitalidade (por exemplo, hotéis ou lares), poderá eventualmente ser considerado elegível para Golden Visa, na medida em que o investimento não é feito no bem imóvel propriamente dito, mas no fundo/sociedade que necessita de possuir bens imóveis para prosseguir a sua atividade.

Estes tipos de sociedades são consideradas prestadoras de serviços, que detêm bens imóveis. Na nossa opinião, estes tipos de investimentos não podem ser considerados como investimentos diretos ou indiretos em bens imobiliários. Note-se que muitas sociedades detêm bens imobiliários, pelo que este nunca poderia ser um fator de exclusão do investimento. Estas questões pendentes devem ser esclarecidas, quer através de uma alteração da legislação, quer através de uma clarificação da doutrina.