Sem tecnológicas nos seus índices e com tendência de uma deflação, as ações europeias viveram uma década à sombra da americana. Estaremos à beira de uma mudança estrutural?
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Ser um investidor de ações europeias tem sido difícil na última década. O retorno obtido nos últimos 10 anos terá sido positivo, mas esmorece quando comparado com o retorno da bolsa americana. Por exemplo, de 2009 a 2020 o FTSE Europe Ex UK valorizou 198%. Mas, no mesmo período, o S&P 500 subiu 421%. As ações europeias ficaram para trás, principalmente a partir de 2015, conforme mostra o gráfico a seguir.
Quanto aos motivos, há vários. Richard Brown, gestor de ações europeias da Janus Henderson, cita três. Em primeiro lugar, erros de política e a falta de ação após a crise financeira, assim como o predomínio de austeridade. Em segundo lugar, uma construção política questionável. União monetária sem união política. Ou duas velocidades de crescimento dentro de uma única moeda. E em terceiro, uma exposição limitada ao setor de tecnologia.
A inflação muda as regras do jogo
Desta vez será diferente? Talvez esta seja uma das expressões mais perigosas ao investir. Mas a verdade é que Brown vê argumentos para pensar que o próximo ciclo poderá ser o da bolsa europeia. Destaca-se um ponto crítico que, de facto, já o vemos atualmente. E se esse ciclo económico for mais inflacionário que o anterior?
Podemos estar perante uma alteração nas regras do jogo. Analisaremos os principais motivos de ter valorizado na última década. O principal impulsionador dos mercados acionistas tem sido a descida das taxas de juro, inclusive até níveis negativos. Isso foi o que fez com que o growth ultrapassasse o value e os Estados Unidos superassem a Europa. O que acontecerá quando a inflação der a volta à tendência nas taxas de juro? É uma possibilidade que Brown vê. Que os enormes pacotes fiscais que as principais economias estão a pôr em prática finalmente acordem os preços.
E o mercado acionista europeu não depende apenas da inflação. A nível macroeconómico, a resposta a esta crise foi também muito diferente. Para começar, porque a Europa mostrou uma união a nível político. Perante o quase Grexit de 2021 foi aprovado um plano de recuperação comum. Mesmo nas emissões de dívida a nível europeu. Além disso, a contração económica chegou com os balanços dos bancos saudáveis e liquidez no mercado. Mas o Banco Central Europeu também foi mais ágil. Na última vez, o QE na Europa demorou sete anos para chegar. Brown lembra-nos que em 2011 o BCE aumentava as taxas, quando provavelmente deveria tê-las reduzido.
A EUROPA POSICIONA-SE PARA O PRÓXIMO BOOM: ESG
Conforme destacado no gráfico em baixo, sem a exposição a megatecnológicas, o S&P 500 moveu-se em linha com o mercado acionista europeu. “Eu ficaria muito surpreso se as FAANG tivessem mais uma década de crescimento espetacular”, diz o gestor. “É um posicionamento muito concorrido e com o sentimento antimonopolístico, não é irracional achar que haverá pressão para serem negócios mais regulamentados”, explica.
E o que pode ser a nova tech? Na opinião de Brown, o investimento sustentável. “Se eu tivesse que investir num acrónimo, não seria as FAANG, mas o ESG”, afirma. E se for esse o caso, a Europa está perfeitamente posicionada para liderar o crescimento. “Podem estar atrasados para a festa da tecnologia, mas a Europa tem muito claro que quer ser a líder da economia verde”, diz o especialista. Como destaca, a Europa é o lar de vários líderes em energia renovável. Iberdrola, Acciona, Enel ... E ao contrário do ciclo anterior, onde o boom se concentrou num setor, a sustentabilidade atinge praticamente todos os setores.
E não é apenas a Europa que está posicionada para liderar o boom do ESG. Faz isso com umas valorizações historicamente muito atrativas. O spread do Shiller PE entre a Europa e os Estados Unidos está num nível extremo. Brown reconhece algum ceticismo entre os investidores internacionais. “Eles veem o mercado acionista europeu como um conjunto de pequenas empresas, de baixa qualidade, muito cíclicas e de valor”, afirma. E é verdade que as empresas europeias são as que mais sofrem em períodos de contração. Mas também são as que mais recuperam em períodos de recuperação.