Guia para o investidor após a vitória de Modi na Índia

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origamiancy, Flickr, Creative Commons

O Bharatiya Janata Party (BJP) voltou a fazer história na Índia. O partido conservador e nacionalista de Narandra Modi revalidou a sua vitória nas últimas eleições com uma maioria ainda mais forte do que a que alcançou em 2014. No fim da contagem, conseguiram 303 lugares do Parlamento, uma vantagem esmagadora face aos demais partidos, já que precisava apenas de conseguir 272 lugares para alcançar a maioria. Agora, a Índia vai estar cinco anos sob o mandato de Modi. Que implicações tem para os investidores? A gestoras internacionais respondem.

O primeiro a entender é o porquê de conseguir a reeleição e, além disso, com uma maioria ainda maior quando as sondagens previam o seu enfraquecimento. Na opinião de Aninda Mitra, analista sénior de dívida soberana da Mellon, parte da BNY Mellon, o resultado mostra um reviravolta subtil do país rumo ao centro direita. “A Índia não está tão pobre quanto há cinco ou 10 anos. As aspirações da classe média elevaram-se. Querem colégios, estradas, casas melhores. E isso reflete-se no BJP”, conta. O discurso de Modi na campanha bebeu muito do nacionalismo, admitindo pouco os erros do passado. E é uma mensagem que teve sucesso num contexto de tensões comerciais.

Pendentes do orçamento e do gabinete

Tão importante quanto a eleição do líder é a eleição das pessoas que o rodeiam e os planos que põem em marcha. Isto é, os especialistas ainda estão à espera que Modi forme o seu gabinete e que estes apresentem o orçamento. Só então poderão fazer previsões mais concretas sobre as suas prioridades máximas. “Nos últimos cinco anos, dois dos ministérios mais eficazes foram o das Estradas e o da Energia, encabeçados por Nitin Gadkari e Piyush Goyal, respetivamente. Sob a sua supervisão, a Índia registou níveis record de construção de estradas e eletrificação. A vitória de Modi cimentou a esperança e as expectativas de mais de mil milhões de pessoas. Na nossa opinião, para poder estar à altura, Modi vai precisar de uma equipa sólida de ministros extremamente eficazes”, defende Amol Gogate, analista de ações asiáticas da Carmignac.

Neste sentido, Mitra espera que os próximos cinco anos de Modi deixem para trás esse discurso mais nacionalista da empresa para se centrar nas necessidades económicas do país”. Destaca duas prioridades. Por um lado, desbloquear os canais de crédito. Por outro, simplificar o imposto de bens e serviços – o Goods and Services Tax -, que agora está sobrecarregado e com demasiados escalões. Se se reordenar uma das duas taxas, acelera-se a recolocação de impostos.

O positivo

A primeira reação do mercado foi muito positiva. Os principais índices de referência da Índia, o Sensex e o Nifty superaram os 40.000 e os 12.000 pontos, respetivamente. São quotas históricas, segundo Gaurav Sinha, estratega de alocação de ativos da WisdomTree. A rupia também se fortaleceu face ao dólar americano.

Os investidores celebram a continuidade de Modi e para muitos reforça a opinião já positiva da Índia, uma região com perspectivas interessantes graças à sua população jovem e uma classe média em crescimento. A reeleição do BJP interpreta-se como investimento em habitação económica e infraestruturas de transporte, o que é um bom presságio para o sector do cimento, do imobiliário e do consumo rural. “Isto poderá desencadear um novo ciclo de investimento em capital. Esta situação proporcionará uma proteção face aos headwind que vêm do exterior entre os que se incluem uma degradação do conflito comercial entre os Estados Unidos e a China e qualquer aumento nos preços do petróleo”, explica Kristy Fong, diretora de investimentos de ações asiáticas da Aberdeen Standard Investments.

A Índia está numa posição favorável para ser um dos vencedores colaterais da guerra comercial. Primeiro, porque como destaca Mitra, tem uma população enorme, das poucas que poderão rivalizar com a China e imensa em comparação com as Filipinas e o Vietname.

Também tem uma leitura positiva do ponto de vista do investidor em obrigações. Para Leong Lin-Jing, diretor de investimentos em obrigações asiáticas da ASI, o sucesso na execução do código de insolvência e as medidas corretivas para travar a morosidade no sector bancário público, permitirá que as instituições financeiras apoiem a próxima ronda de crescimento de crédito. Na Insight (parte da BNY Mellon) têm em carteira dívida governamental indiana denominada em moeda local. “Na nossa opinião, estas obrigações deverão comportar-se bem se se puser em marcha uma agenda reformista acompanhada de um controlo orçamental mais rigoroso”, argumenta Oliver Williams, gestor de carteiras de dívida de mercados emergentes da empresa. Neste ponto, Mitra refere que vê mais valor na parte curta da curva já que não vê o banco central a cortar mais de uma ou duas vezes as taxas este ano.

O negativo

Mas como já prevíamos, também há sombras que rodeiam a continuidade de Modi. Apesar da esmagadora maioria do BJP, as últimas eleições foram celebradas num contexto macroeconómico complicado no país. Como recorda Gogate, o país sofre há muitos anos com o problema dos empréstimos em incumprimento (NPLs), e no ano passado esta questão piorou com o colapso da entidade de crédito especializada em infraestruturas IL&FS. Amit Goel, gestor da Fidelity, coincide e recorda ainda que se conheceram vários dados que apontam para um aumento do desemprego na Índia e da desaceleração atual do consumo, do sector automobilístico e do mercado imobiliário, o que alivia a pressão que sofre o rendimento disponível. A excessiva intervenção do governo nos assuntos do banco central, os escândalos do sector bancário... São ponto vermelhos que também destaca Prakash Sakpal, economista da ING. O especialista recorda ainda que o desemprego aumentou 6,1%, o número mais alto dos últimos 45 anos.

Também há que contar como ponto negativo que grande parte da reeleição de Modi está prevista no mercado. Como mostra o gráfico seguinte, Nick Grace, gestor de ações da Capital Group, as avaliações da bolsa indiana estão esticadas. Negoceiam a um rácio PER de 18,2 vezes no total, face ao rácio de 11,8 anos do índice MSCI Emerging Markets Investable Market Index. “O investimento em empresas cíclicas foi complicado, devido às disrupções económicas e aos períodos de subida dos preços do petróleo, que fizeram com que as empresas de cimento e automobilísticas se tornassem menos atrativas. E muitas empresas relacionadas com o consumo são caras”, reconhece o especialista.

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