Não faça market timing em obrigações emergentes: deixe que um gestor experiente o faça por si

Guillermo Osses
Guillermo Osses. Créditos: Cedida (Man Group)

As obrigações de mercados emergentes são uma classe de ativos que, historicamente, tem ocupado uma parte muito pequena das carteiras dos investidores ibéricos. Além disso, a alocação tende a ser realizada de uma forma bastante tática. O participante entra e sai consoante a sua visão de mercado, o que nem sempre é feito da forma correta. Existe a típica tendência de comprar quando o mercado recupera e as valorizações são elevadas e vender quando se regista um drawdown significativo e os investidores ficam nervosos. Mas há outra opção, talvez mais eficaz: deixar essa decisão nas mãos de um gestor experiente, especializado nessa classe de ativos.  

Guillermo Osses é o gestor do Man GLG Global Emerging Markets Debt Total Return, fundo de obrigações emergentes com Rating FundsPeople 2023 graças à consistência dos seus resultados. A premissa teórica em que este produto se baseia é que, se um gestor pode destinar capital aos segmentos de mercado onde acredita que existe valor, reduzindo o risco e evitando aqueles onde não existe, ou mesmo retirar retornos mantendo-se curto, terá de ser capaz de gerar um retorno semelhante ou melhor do que o do benchmark num horizonte de investimento de três anos, com muito menos volatilidade e muito menor drawdown.

Segundo explica numa entrevista com a FundsPeople, os índices utilizados nos mercados emergentes foram inicialmente desenvolvidos por provedores do sell side, que não pensaram na construção dos benchmarks do ponto de vista da otimização do seu uso para um investidor de longo prazo. “Têm vários problemas: estão muito concentrados em certas áreas da classe de ativos, têm muito pouca diversificação no caso da dívida local…”. Na sua opinião, a forma mais adequada de gerir esta classe de ativos é ter um mandato flexível para poder mover-se livremente na hora de construir posições longas ou curtas em função das circunstâncias.

Posicionamento dinâmico

Por exemplo, do início de 2011 até meados de 2017, a visão de Guillermo Osses e da sua equipa sobre a classe de ativos era relativamente otimista. “Foi uma fase em que vimos que as valorizações, o posicionamento dos investidores e os fundamentais estavam alinhados para serem investidos. Quando o índice subia, mantínhamos uma exposição longa ao mercado, introduzindo simultaneamente certas proteções para nos precavermos contra possíveis drawdowns em eventos muito pontuais, como ocorreu com a eleição de Donald Trump em 2016”, exemplifica o gestor da Man.

No entanto, a partir de meados de 2017, a visão a longo prazo da equipa sobre o mercado de obrigações emergentes mudou. Tornou-se bastante pessimista. “Começamos a projetar retornos negativos para a classe de ativos, o que nos levou a adotar uma posição líquida curta, com a ideia de ganhar dinheiro em caso de um sell off e de não o perder quando o mercado joga contra nós. Desta forma, se acreditarmos que a classe de ativos vai gerar retornos positivos, teremos uma carteira com um beta mais positivo do que o mercado. Por outro lado, se acharmos que o retorno vai ser negativo, adotamos uma atitude muito mais protetora, também com o objetivo de gerar retornos positivos”.

Segundo dados da Morningstar, na classe coberta em euros, a rentabilidade líquida anualizada gerada pelo fundo nos últimos cinco anos foi de -1,5%, quase três pontos melhor do que a média da sua categoria. Em 2021, o produto situou-se no primeiro quartil e, em 2022, foi o primeiro fundo da sua categoria. 

Processo de investimento

O processo de investimento da estratégia divide-se em várias componentes. A primeira é quantitativa. Tem como objetivo construir rakings de dívida soberana, divisas, curvas de taxas… Tudo com base no atrativo fundamental que podem ter. “Desenvolvemos modelos através desse produto quantitativo. Quando temos esses rankings, apoiámo-nos em ferramentas de avaliação que também desenvolvemos internamente para tentar determinar como o mercado está a avaliar esses créditos, divisas e curvas. Nos casos em que identificamos divergências, isso permite-nos contar com uma primeira lista de oportunidades longas e curtas”, revela.

Uma vez feito isto, passam a uma segunda fase. Aqui introduzem duas variáveis. A primeira procura analisar fatores externos que podem afetar ou condicionar a evolução dos mercados de dívida emergente. A segunda, identificar, através das suas ferramentas, quão pesado ou leve é o posicionamento do mercado nos ativos em que estão longos ou curtos. “Quanto assumimos uma posição longa num ativo, o ideal é que este seja fundamentalmente sólido, que ofereça uma valorização atrativa e que o posicionamento dos investidores em geral seja baixo”, sublinha o gestor do Man GLG Global Emerging Markets Debt Total Return.

Estratégia com divisas

Em divisas, também partem de um processo quantitativo. Analisam qual o desvio da taxa de câmbio real em relação à média de cinco anos. “Estatisticamente, quando uma divisa desvaloriza, se houver uma reversão para a média, isso acontece bastante rápido. Isto obriga-nos a agir de forma muito ágil. Por outro lado, se uma moeda se torna mais cara relativamente à taxa de câmbio real histórica, a reversão para a média pode demorar mais tempo. Em países que estão a passar por mudanças estruturais, onde a produtividade cresce a ritmos elevados, as taxas de juro reais tendem a ser mais elevadas. Esses países podem sustentar a apreciação da moeda mantendo o equilíbrio das suas contas externas”. 

É por isso que também analisam o carry de uma divisa e como se compara com o desvio da taxa de câmbio histórica. “Pode valer a pena estar longo numa moeda cara se as dinâmicas da economia o justificam”. Esse processo de análise quantitativa também termina com um ranking de possíveis posições longas e curtas, em que analisam fundamentais, balanças de pagamentos, contas correntes, balanças comerciais… “Procuramos áreas em que se vê uma melhoria sequencial que nos diz que está a acontecer uma mudança. Quando uma conta-corrente começa a melhorar, com o tempo a dinâmica da procura e da oferta marginal estrangeira pela moeda altera-se”.

Essa lista de posições longas e curtas permite-lhes ter uma expetativa de rentabilidade e volatilidade. A dimensão das posições varia em função dessa estimativa de rácio de Sharpe, elaborada com base nessas expetativas de retorno e volatilidade de cada um dos ativos. Antes de implementar as posições na carteira, realizam um teste de stress. Utilizam as séries históricas fornecidas pela J.P. Morgan e pela Bloomberg para tentar gerar os retornos mensais que a carteira teria tido desde 2000 até agora, de acordo com a configuração atual da carteira. Calculam o número de medidas de risco, que devem ser consistentes com os seus objetivos de rentabilidade e volatilidade.

Fatores distintivos

Na sua opinião, nos últimos 10-15 anos, o típico gestor de dívida emergente gerou retornos estando sobreinvestidos em ativos de baixa qualidade de crédito. “A forma que identificaram para oferecer retornos superiores aos dos seus benchmarks é estar lá. A alocação que fazem é bastante estática, seja qual for o comportamento do índice. Além disso, o seu nível de investimento varia em função do mercado. Se este sofre uma queda significativa, observa-se claramente que, um mês depois, os investidores começam a reduzir o seu beta, três meses mais tarde, voltarem a aumentá-lo. 80% dos fundos desta categoria têm correlações entre 0,7 e 0,8, quando a nossa correlação com eles é negativa”.

“À medida que as valorizações se tornam mais caras, a rentabilidade futura esperada da classe de ativos é reduzida e a exposição dos investidores é elevada, vamos saindo. E, quando estamos a atingir o mínimo, acontece o contrário. Tendemos a superar o mercado no início dos ciclos, quando vemos que as valorizações são atrativas e o posicionamento dos investidores é ligeiro. Embora exista um risco de volatilidade, o perigo de quedas muito profundas é reduzido pelo facto de a maioria dos investidores estar fora”. 

Só investem em...

Outra diferença que aprecia em relação aos seus concorrentes é que eles só investem nos maiores emitentes quase soberanos ou em obrigações de empresas privadas que são sistematicamente importantes.

“Quando se gere um produto de elevado património e liquidez diária, é muito difícil gerir o seu risco com uma alocação muito grande a dívida corporativa. Se se fizer uma análise de tudo o que foi feito em obrigações corporativas durante o ciclo de subidas de taxas da Fed, dos 740 emitentes presentes no mercado secundário, apenas 15 negoceiam mais de 10 milhões de dólares por dia em toda a curva. Não há liquidez. É muito complicado gerir eficazmente um drawdown se tivermos 40% da carteira em corporates ou emitentes soberanos de baixa qualidade, que também são ilíquidos, como tem a média dos gestores dos mercados emergentes”, avisa.