Ainda a questão dos certificados de aforro!

Carlos Bastardo
Carlos Bastardo. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Carlos Bastardo.

Num país muito endividado, logicamente que uma descida na taxa de juro paga pelo Estado reflete-se positivamente em menores custos financeiros. E, portanto, deixar de pagar 3,5% para pagar 2,5% é positivo para o Estado. Atenção que a rendibilidade dos certificados de aforro da série E tem um cap nos 3,5%, porque se não fosse isso, a rendibilidade seria Euribor a 3 meses (3,459% no dia 7/6) mais um spread de 1%, o que daria quase 4,5%. Contudo, os certificados de aforro representam apenas 12% da dívida pública emitida.

Logicamente que os certificados de aforro, após os primeiros três meses podem ser regatados em qualquer altura, ao passo que as obrigações do tesouro ou os bilhetes do tesouro são emitidos com uma maturidade. O Estado já sabe quando terminam e com tempo, pode planear a sua renovação.

A yield das obrigações do tesouro a 10 anos (mesma maturidade dos certificados de aforro da série E) estava em 3,12% em 15/6, mas já esteve acima dos 3,5% há alguns meses. Entretanto, o BCE na sua reunião de 15/6 aumentou a Refi Rate em 0,25% para 4%.

Contudo, há algumas questões que suportam uma rendibilidade atrativa nos certificados de aforro. Primeiro, porque as pessoas da classe média que ainda conseguem poupar dinheiro encontram neste produto uma boa alternativa face aos depósitos a prazo bancários, com uma boa liquidez e com juros capitalizados.

O IGCP veio dizer, segundo a comunicação social, que existem outras alternativas de investimento como as obrigações do tesouro. Contudo, ter obrigações do tesouro em carteira para um cliente bancário de retalho, significa ter custos que não existem nos certificados de aforro (até agora, pois com a possível colocação a poder também ser feita por bancos, não sei não!): custo do dossier de títulos (custódia), custos na compra, custos na venda, custos no pagamento dos juros… Portanto, não é bem a mesma coisa, em termos de rendibilidade líquida após custos.

Quanto ao risco de crédito, os certificados de aforro e as obrigações do tesouro têm o mesmo emitente que é o Estado, logo, o risco soberano ou do país é o mesmo.

Contudo, quanto ao risco de mercado, os certificados de aforro não são valores mobiliários cotados, pelo que não têm volatilidade de preço.

No máximo, quem tem certificados de aforro e caso os resgata entre vencimentos trimestrais consecutivos, perde os juros desse período. Já um investidor que possua obrigações do tesouro a 10 anos, se necessitar de as vender, poderá ter de assumir perdas de capital, pois o preço destas (sendo títulos de taxa de juro fixa) evolui em função das expetativas de evolução das taxas de juro. E sabemos que estamos num ciclo de subida das taxas de juro. E quando as taxas de juro sobem, o que acontece aos preços das obrigações? Caiem

Portanto, para quem tem pequenas poupanças e que seja bastante conservador, os certificados de aforro, tendo em conta as três variáveis de decisão de uma aplicação financeira (risco, liquidez e rendibilidade) são atualmente uma das melhores alternativas.

E mais uma vez, a classe média que ainda consegue poupar é prejudicada com a recente medida, até porque 3,5% em termos nominais continua a significar uma taxa de rendibilidade real negativa (a inflação está acima dos 5%).

Outra questão importante é a percentagem de dívida pública em mãos nacionais. Se nos recordarmos do que aconteceu no período 2009 a 2011 (antes da falência e consequente resgate do país) e a equipa do ministério das finanças também se deve recordar, até porque o partido do governo na altura era o mesmo de agora, uma das questões que fez aumentar bruscamente a yield das obrigações do tesouro, para além das dificuldades financeiras de Portugal, foi que grande parte da mesma estava em mãos de investidores estrangeiros. E estes, logo que começaram as dificuldades, desataram a vender as obrigações do tesouro. Os preços caíram drasticamente e a yield das obrigações do tesouro a 10 anos chegou aos 16%/17%. 

Outros países como a Itália, em que uma boa parte dos títulos de dívida pública estão em mãos italianas, apesar de também terem sofrido uma desvalorização do preço e consequente subida da yield, a situação não teve a mesma amplitude que em Portugal.

Ou seja, quanto maior for a percentagem de títulos de dívida pública em mãos nacionais, menos volatilidade existe. Outro exemplo que poderia citar é o caso do Japão, em que uma grande fatia da dívida pública japonesa está em mãos nipónicas.

Por isso, penso que o IGCP e o ministério das finanças deveriam pensar em lançar novas emissões de certificados do tesouro mais de acordo com as taxas de juro atuais e cancelar os atuais CTPV, porque os que existem têm taxas de juro muito baixas: apenas 0,7% de taxa de juro bruta nos primeiros dois anos, 0,8% no 3º ano, 0,9% no 4º ano, 1% no 5º ano, 1,3% no 6º ano e 1,6% no 7º ano, podendo a partir do 3º ano inclusive haver um prémio em função do crescimento real do PIB, mas tabelado a 1,5%.

Outra alternativa é o IGCP emitir OTRV, em que a taxa de juro é indexada a um benchmark, no nosso caso à Euribor. Estas obrigações, por norma, têm uma menor volatilidade que as obrigações de taxa de juro fixa, uma vez que de tempos a tempos (trimestralmente ou semestralmente), o cupão de juros ajusta em função das condições do mercado. Ou seja, deveria haver um esforço para uma diversificação de alternativas de aforro para as famílias portuguesas.

Uma última questão referente às reduzidas taxas de juro que os bancos estão a pagar nos depósitos. No meu artigo saído nesta newsletter de 24 de fevereiro de 2023, referi que os bancos estão carregados de liquidez. O rácio de transformação (crédito / depósitos) em setembro de 2022 (e que não deve ser muito diferentes de dezembro de 2022 e de agora) era em média de apenas 79%. Ou seja, um volume de crédito reduzido face ao valor de depósitos. E, portanto, enquanto esta situação persistir, os bancos não têm problemas de liquidez e, por isso, não pagam tanto pelo funding.