BlueCrow Capital: “Favorecemos uma repartição entre o segmento value e o growth, preterindo este último em função do primeiro”

BlueCrow Capital.

TRIBUNA de António de Mello Campello, managing partner, e Pedro André, analista estagiário na BlueCrow Capital.

O cenário macroeconómico para o segundo semestre de 2021 perspetiva-se como globalmente positivo, na medida em que a vacinação está lentamente a atenuar os constrangimentos provocados pela pandemia sobre o funcionamento das economias. Todavia, a dinâmica de recuperação e crescimento continuará a ser, naturalmente, assimétrica entre regiões. A principal razão para esta discrepância prender-se-á, exatamente, com os diferentes ritmos de vacinação, que produzirão diferenças nas fases de estabilização pandémica entre as várias economias. Por outro lado, naturalmente que outros fatores não exclusivamente relacionados com a situação epidemiológica produzirão também eles diferenças neste âmbito; referimos-mos, principalmente, à dimensão e da direccionalidade das políticas fiscais e monetárias.

Neste sentido, para o segundo semestre deste ano prevê-se uma confirmação e continuidade na recuperação e crescimento da Europa, face a uma campanha de vacinação agora mais próxima dos Estados Unidos, permitindo por sua vez o abandono gradual de medidas restritivas e de confinamento na generalidade dos países e um maior controlo da situação pandémica no continente, ou seja, de uma forma geral, pela reabertura das economias e pela retoma de atividade nos setores mais condicionados pela pandemia. Os Estados Unidos deverão continuar a crescer e é previsível que venham já neste semestre a superar os níveis pré-pandémicos relativos aos dados macroeconómicos, nomeadamente devido a fatores como: a antecipação no processo de vacinação, a acumulação de poupança pelas famílias face à incerteza pandémica e os estímulos de dimensão significativa promovidos pela nova administração. Por outro lado, é possível que vejamos uma continuação da desaceleração gradual do crescimento da economia chinesa; natural devido ao perfil e dimensão da recuperação até então, bem como a uma reversão deliberada da direccionalidade das políticas fiscais e monetárias. O caso do Japão é diferente, no sentido em que não só ainda não recuperaram até aos níveis pré-pandémicos, como é previsível que a recuperação se complete a posteriori das regiões até agora mencionadas. As perspetivas de crescimento do Japão enfrentam a pressão do abrandamento da atividade económica e da procura a nível interno, ambas influenciadas pela iniciativa do governo de prolongar as medidas restritivas, bem como refletem um atraso relativo no processo de vacinação. Finalmente, a recuperação e crescimento das economias emergentes deverá ter lugar numa fase tardia em relação aos restantes. As ondas virais severas e o atraso na vacinação continuam a ser um impedimento para uma re-aceleração do crescimento destas economias, o que significará um aumento da discrepância relativa dos ritmos de crescimento no segundo semestre, face às economias desenvolvidas.

A questão da inflação

Um dos temas que mais nos ocupou no primeiro semestre deste ano foi a pressão inflacionista a um nível global. Consideramos que este continuará a ser um tema relevante nos próximos meses para os investidores pelo que vale a pena debruçar-nos sobre ele. Naturalmente que uma subida do nível de preços era expectável, por motivos que vão desde: a reabertura progressiva das economias, com uma maior abrangência da vacinação e um recuo nas medidas restritivas, um aumento da poupança verificada durante os períodos de confinamento, até à escassez do lado da oferta, provocada por quebras nas supply-chains e constrangimentos no mercado de trabalho. Do lado das empresas, a subida dos custos tem sido apontada em diversas ocasiões como um tema de preocupação. Todavia, ainda que as expectativas já contemplassem estas dinâmicas e o largo efeito de base, os dados recentes têm mostrado subidas acima do esperado, o que tem continuado a colocar na mesa a questão de se estas surpresas irão persistir.

No âmbito desta questão, importa distinguir aquilo que são subidas de nível de preços (inflação estatística) daquilo que é inflação no sentido económico, que nos remete para uma subida continuada e generalizada ao longo do tempo, ao invés de subidas de nível temporárias. Assim, se por um lado tudo parece apontar para uma continuidade das surpresas nos dados relativos ao nível de preços durante os próximos meses, de uma forma geral, por outro devemos procurar perceber se isto se refletirá na tendência. A verdade é que, colocando a questão desta forma, vemos menos razões para validar as preocupações sobre uma inflação duradoura, acreditando por isso que as recentes subidas são fruto da dinâmica particular e da fase do ciclo económico. Sustentamos esta posição numa série de tendências estruturais, algumas delas aceleradas pela pandemia (e, por esta razão, relevantes até para o ciclo), apontadas como deflacionistas; desde logo: o desenvolvimento tecnológico, por exemplo promovendo e facilitando a digitalização progressiva da mão-de-obra e do setor do retalho, bem como tendências demográficas, até, potencialmente, à tendência de aumento do endividamento privado e público, entre outros. A rapidez e magnitude de algumas destas mudanças poderá inclusive ter tanta importância quanto as dinâmicas cíclicas.

Naturalmente que os temas da reabertura das economias (reopening), das políticas fiscais e monetárias expansionistas (reflation) e da inflação (inflation) estiveram já bastante presentes nas dinâmicas dos mercados financeiros nestes últimos meses; ainda assim, deverão continuar a marcar o posicionamento das carteiras dos investidores no segundo semestre. A nossa expectativa para os ativos de risco é positiva, sustentando esta posição exatamente no cenário de reabertura e recuperação das economias e na política monetária acomodatícia dos bancos centrais. Porque acreditamos que os dados relativos aos níveis de preços continuarão a surpreender e superar as expectativas durante o resto do ano, de uma forma geral, tendemos a favorecer, naturalmente, um posicionamento que reflita este cenário.

Composição das carteiras

Desta forma, relativamente à composição das carteiras e de uma forma resumida, esperamos e/ou favorecemos: (1) uma continuidade na rotação de ativos defensivos para cíclicos; (2) um desempenho superior das commodities enquanto classe de ativos, dando preferência ao setor da energia e com a exceção das matérias preciosas; (3) um desempenho positivo das ações enquanto classe de ativos, com uma continuidade na rotação e um desempenho superior do segmento value face ao growth; também neste sentido, podemos falar numa preferência por regiões value-oriented como a Europa e as economias emergentes; (4) do lado do crédito, acreditamos que os spreads poderão ser mais apertados e mantemos uma preferência por high-yield face a investment grade, bem como pelas economias emergentes face às economias desenvolvidas.

Desdobrando os comentários relativos às ações, consideramos que apesar do pico em alguns índices de atividade, as expectativas e os movimentos do mercado continuarão a alicerçar-se no cenário de crescimento económico e retoma de atividade económica; reforçamos, por isso, a nossa preferência pela alocação a setores cíclicos e não defensivos. Mais ainda, favorecemos, como se disse, uma repartição entre o segmento value e o segmento growth, preterindo este último em função do primeiro. Fazemo-lo, em primeiro lugar, pela maior exposição a uma eventual subida de taxas por parte do segmento growth; mas mais importante do que isso: se é verdade que uma recuperação cíclica macro tenderá a beneficiar, na generalidade, os dois segmentos em termos absolutos, em termos relativos o segmento value deverá ser mais sensível a este movimento, pelo que em termos de expectativas de crescimento de ganhos tenderá a beneficiar mais relativamente, o que inevitavelmente se reflete no valor dos ativos deste segmento, como aliás temos observado durante o primeiro semestre. Regionalmente, a nossa preferência recai sobre a Europa, os mercados emergentes e o Japão, em detrimento dos EUA e do UK. Este posicionamento dá-se não só pela preferência por regiões value-oriented, como referimos anteriormente, mas também numa ótica de incorporação de expectativas futuras relativamente ao desenrolar macro e pelo facto de considerarmos que alguns dos desenvolvimentos que temos vindo a referir poderem já estar relativamente mais refletidos no preço dos ativos em certas regiões (onde observamos avaliações mais esticadas e certos posicionamentos face a estes temas mais crowded).

Este cenário positivo e as dinâmicas de composição referidas deverão, a nosso ver, ser privilegiadas pelo menos até ao fim do verão, mas potencialmente até à entrada no ano seguinte, à medida que a recuperação global das economias ganha forma. Naturalmente que uma reversão da tendência de recuperação pandémica compreende-se como um risco a este cenário. Ademais, este desenrolar pressupõe também um retirar de estímulos monetários gradual e progressivo, pelo que a comunicação dos bancos centrais terá um papel relevante nos desenvolvimentos futuros.