Ricardo Silva (CA GEST): “Na segunda metade de 2023, deveremos continuar a assistir a uma deterioração dos principais indicadores de atividade económica"

Ricardo Duarte Silva
Ricardo Duarte Silva. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Ricardo Silva, selecionador de fundos da Crédito Agrícola Gest.

Na segunda metade de 2023, deveremos continuar a assistir a uma deterioração dos principais indicadores de atividade económica um pouco por todo o globo. A manutenção de políticas monetárias restritivas, reforçada pelo tom hawkish das reuniões de junho, sugere que os bancos centrais não deverão reduzir juros no horizonte próximo, uma vez que a inflação core permanece ainda demasiado elevada e resiliente. Nos EUA, a Fed poderá mesmo subir por duas vezes a sua taxa de referência relativamente aos atuais níveis (intervalo entre 5% e 5,25%). Na Zona Euro, o BCE admite novas subidas para contrariar a inflação, que segue ainda demasiado persistente. Da mesma forma, o bloco europeu permanece particularmente sensível ao crescimento chinês, que tem desiludido. Igualmente, a severidade do inverno poderá, ou não, ditar novas subidas no preço da energia, com implicações diretas na despesa das famílias e empresas. Já a China deverá apresentar um melhor desempenho económico na segunda metade do ano, isto depois de um primeiro semestre desapontante, em particular no setor industrial. Paralelamente, a expetativa por novos estímulos fiscais e monetários não tem sido correspondida e as tensões geopolíticas entre China e o Ocidente têm dinamitado o otimismo dos agentes económicos. No Japão, a única das principais potências económicas a, para já, manter uma política monetária ultra-acomodatícia, as exportações têm beneficiado de um iene fraco.

Classes de ativos melhor posicionadas para enfrentar o semestre 

A expetativa de que as taxas de juro possam estar já num plateau nas principais geografias confere um bom ponto de entrada nas obrigações, quer numa ótica de carry (beneficiando das yields atuais num cenário de normalização da inflação), quer como proteção num cenário de uma deterioração mais severa da atividade económica (potencial descida de juros). Neste particular, a zona curta da curva apresenta o melhor binómio risco/retorno (menor duração e maior yield). Nas ações, sugerimos alguma cautela. O recente entusiasmo em torno do setor da inteligência artificial generativa, catapultou os principais índices para ganhos de duplo dígito (no caso do norte-americano Nasdaq ganhos year-to-date em excesso de 30%). Sem desvalorizar o potencial disruptivo da nova tecnologia, a perspetiva de uma recessão económica na segunda metade do ano (com impacto nos resultados das empresas e na capacidade aquisitiva dos consumidores), a manutenção de juros elevados e a progressiva redução dos balanços por parte dos maiores bancos centrais não conferem um contexto favorável à classe. O mesmo se aplica ao crédito, cujos spreads permanecem demasiado estreitos para acomodar uma pior qualidade creditícia dos emitentes. Finalmente, no imobiliário, onde o impacto da subida dos juros já se começa a fazer sentir, e nas commodities, sensíveis às perspetivas de crescimento económico, será uma envolvente igualmente desafiante.

Os riscos que geram mais preocupação 

O risco de mercado está sempre presente, mas vemo-lo desta feita com apreensão acrescida, em particular quando há um mispricing tão evidente entre as expectativas descontadas para as ações (earnings pouco alterados em 2023 e a subir em 2024) e para as obrigações (inclinação negativa da curva sugere uma recessão iminente). A regulação, por sua vez, tem-se tornado progressivamente mais exigente, com implicações no modelo de negócio e nas decisões de investimento.

Diversificação para o segundo semestre de 2023

Sem identificar um fundo de investimento especificamente, continuamos a privilegiar a diversificação e por essa feita sugeriríamos sempre um fundo de investimento de alocação, possivelmente com perfil mais defensivo.

Temas de investimento

A área dos temáticos, a inteligência artificial generativa, por ser um tema atual e com peso crescente no desempenho dos mercados acionistas. Podemos estar de facto perante uma tecnologia disruptiva, mas seria importante descortinar se o preço que estamos a pagar por ela é ou não excessivo (em particular, antes do tempo).