DWM do Millennium BCP: “Num cenário económico não recessivo, torna-se difícil antecipar um regresso de políticas monetárias acomodatícias”

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Créditos: Max Saeling (Unsplash)

COLABORAÇÃO da equipa da DWM do Millennium BCP.

2023 não escapou à norma dos três anos anteriores, com rápidas oscilações do sentimento dos investidores a imporem flutuações expressivas nas principais classes de ativos. À boleia dos últimos dois meses, o ano terminou com retornos positivos na generalidade dos mercados, acabando por vindicar os mais otimistas. Assistimos a subidas expressivas nas ações e na dívida empresarial, mas também a recuperações das obrigações governamentais, embora neste segmento os ganhos sejam ainda insuficientes para anular as perdas de 2022. As matérias-primas reverteram parte dos ganhos alcançados, mas mantiveram-se acima dos níveis de início de 2022, continuando suportadas por restrições na produção, pela recuperação da economia chinesa e, mais recentemente, pelo conflito regional no Médio Oriente.

A atividade económica global terá (tudo indica) abrandado face aos anos anteriores, mas manteve-se notavelmente robusta, e de forma importante superou largamente as previsões pessimistas do início do ano, apesar de se terem registado divergências de desempenho regionais e sectoriais notórias.

Economia nos países desenvolvidos: EUA, China, zona euro e Japão

Entre as economias desenvolvidas, a economia norte-americana esteve em destaque. A fuga aos depósitos que acelerou o colapso de três bancos regionais não teve o impacto sistémico temido e, embora tenha contribuído para novo aperto das condições financeiras nesse momento, não despoletou uma recessão. A solidez do mercado de trabalho, o crescimento dos salários que, associado à queda da inflação, promoveu um aumento do poder de compra das famílias, e uma política orçamental ainda com pendor expansionista foram fatores importantes. Sendo verdade que a condução de uma política monetária restritiva levou a uma menor disponibilidade de crédito na economia, os agentes privados ressentiram-se menos das taxas de juro elevadas do que se poderia esperar tendo em conta episódios anteriores

A China, segunda maior economia mundial, teve o seu prometido relançamento, abandonando decisivamente as políticas zero-COVID. O ritmo de crescimento ao longo do ano foi oscilando, com um início mais entusiasmante assente no consumo privado, seguido de um período com menor fulgor que motivou o anúncio de medidas de estímulo orçamental e monetário, mantendo a economia suportada. Pela negativa, o setor imobiliário continuou no radar, com os indicadores de atividade a manterem-se deprimidos e a requerer medidas mais musculadas das autoridades.

A zona euro continuou a debater-se com os desafios do ano anterior, nomeadamente o impacto do aumento dos custos das matérias-primas no setor industrial e de construção, a subida das taxas de juro e o seu impacto no rendimento disponível das famílias e na disponibilidade financeira das empresas - uma vez que no geral existe maior prevalência de crédito a taxas indexadas do que nos EUA - e o contexto de guerra na Ucrânia. Ainda assim o desempenho das economias da região foi bastante díspar: a resiliência das economias do Sul que continuaram a beneficiar da vaga de turismo, contrariou o clima mais negativo nas economias do centro e leste, com destaque para a Alemanha, que permaneceu tangente à recessão. 

Destacam-se também os desempenhos acima do esperado do Japão, beneficiando de uma reabertura pós-pandemia mais tardia, de uma política monetária assentes em taxas de juro baixas e manutenção e reforço de medidas orçamentais, e também das economias emergentes, estas suportadas pelo relançamento da economia chinesa, o bom desempenho da procura doméstica (ajudado por baixas taxas de desemprego), o alívio da política monetária com o início do processo de corte das taxas de juro e a depreciação do dólar foram fatores de suporte. 

Perspetivas para 2024

Paralelamente à evolução (positiva) da atividade económica, a trajetória de desinflação partilhada pela generalidade dos países desenvolvidos e emergentes foi um fator marcante que levou a uma alteração da postura dos bancos centrais e aumentou a probabilidade de uma transição mais célere da política monetária para um terreno menos restritivo. A descida de inflação foi mais rápida na inflação geral, mas também a componente core, mais relacionada com a dinâmica de preços determinados domesticamente, teve progressos evidentes.

Em 2024 esperamos que a economia mundial prossiga o caminho de normalização, com um gradual desvanecimento de dinâmicas ainda herdadas do período pós-pandemia. Em concreto, antecipamos maiores progressos no reequilíbrio do mercado de trabalho, traduzido numa menor procura por trabalhadores e consequente redução do número de novas contratações e também num esmorecimento das pressões salariais, mas sem que isso resulte num aumento acentuado da taxa de desemprego. Esperamos também que a inflação se encaminhe de forma mais decisiva para os objetivos dos bancos centrais. Por um lado, isso deverá ser reflexo de um crescimento económico mais moderado que retirará capacidade às empresas de aumentarem margens, mas igualmente de menores pressões por via dos salários dado o maior equilíbrio entre oferta e procura por trabalhadores. Por outro lado, há a considerar a desaceleração - que se espera marcada - dos preços de várias rubricas que afetaram desproporcionalmente o cabaz nos últimos anos: nos EUA identificamos as rendas e os valores dos carros usados.

Embora deste processo deva resultar um abrandamento do ritmo de crescimento, este deverá manter-se positivo, liderado pelo bloco de países emergentes. Nos países desenvolvidos esperamos um abrandamento do crescimento económico nos EUA e Japão, equilibrado por uma recuperação modesta da zona euro, reflexo do melhor desempenho da Alemanha alicerçado pela retoma do ciclo industrial. A China atravessa uma desaceleração estrutural da economia, bem como riscos associados ao setor imobiliário, mas é expetável que mantenha um ritmo crescimento superior ao dos países desenvolvidos, com a atividade suportada pela introdução gradual de políticas de estímulo à medida que se mostram necessárias. 

Enquadramento macroeconómico

A inexistência aparente de desequilíbrios estruturais ou no sistema financeiro afasta-nos, para já, de um cenário global adverso. 

Este enquadramento macroeconómico caraterizado pelo abrandamento do crescimento e da inflação globais deve suportar uma recalibração da política monetária com cortes nas taxas de juro de referência a pressionar as taxas de mercado, contribuindo para o alívio das condições financeiras para as empresas e famílias. Apesar disso, num cenário económico não recessivo torna-se difícil antecipar um regresso de políticas monetárias acomodatícias, sendo mais plausível a manutenção de taxas mais elevadas do que as que vigoraram na década anterior.

Neste contexto, a dívida governamental deve continuar a beneficiar da tendência de descida das taxas de juro e também de um rendimento corrente relativamente atrativo considerando o nível atual de yields e a média dos últimos 10/15 anos. O fim dos estímulos pandémicos e subsídios relacionados com a crise energética devem contribuir para consolidação orçamental nos EUA e zona euro, embora os planos multianuais de investimentos, a crescente despesa com juros e o menor crescimento das receitas (em parte devido à descida inflação) sejam desafios a essa consolidação. Na ausência de uma recessão, a dívida empresarial deve obter retornos acima de dívida governamental comparável, beneficiando do carry mais elevado, suportada por ainda sólidos fundamentais das empresas e pela estabilização das taxas de falência. 

Comportamento do mercado

As ações tiveram um ano de recuperação das quedas de 2022, induzida, em termos gerais, por uma expansão de múltiplos, já que o contributo dos lucros foi modesto. Em 2023 esperamos que os lucros determinem o momentum positivo dos mercados acionistas, embora em alguns mercados (Ásia ou zona euro) as valorizações estejam suscetíveis a um novo upgrade, particularmente num contexto de queda das taxas de juro.

Do ponto de vista de construção de uma carteira de investimentos, recomendamos como sempre a manutenção de um portefólio diversificado incluindo exposição a ativos reais, como matérias-primas ou imobiliário, e a estratégias alternativas, como long-short ou sistemáticas. Acreditamos que a exposição a múltiplas classes de ativos oferece a combinação mais eficiente de retorno/risco no longo-prazo, apesar de esporadicamente e de forma isolada poder ser vista como detratora do retorno. A redução de incerteza quanto à trajetória da inflação deverá voltar a concentrar as atenções no desempenho económico, um contexto em que os vários blocos têm mais oportunidades de se complementar, amparar os retornos e reduzir a volatilidade de carteiras balanceadas.

Riscos

Em termos dos principais riscos destacamos os impactos “escondidos” (relacionados com o shadow banking) e desfasados da política monetária, já que o ciclo de subidas foi dos mais agressivos e rápidos na história recente e, embora se espere algum alívio nas taxas de juro, a política monetária continuará restritiva por algum tempo. Monitorizamos também a evolução das tensões geopolíticas (no Médio Oriente e também nas relações bilaterais entre a China e oa EUA) e um calendário eleitoral preenchido num conjunto significativo de países, a começar pelas presidenciais nos EUA e Taiwan, passando por eleições gerais no Reino Unido (prováveis) e no México e as votações para o Parlamento Europeu. Nas oportunidades, cremos que a crescente adoção de ferramentas de Inteligência Artificial pode proporcionar a médio prazo ganhos significativos de produtividade e que as economias desenvolvidas partem na melhor posição para colher os benefícios dessa transformação.