Francisco Falcão (Hawkclaw Capital Advisors): “O conjunto do ano de 2024 será positivo para as duas principais classes de ativos, ações e obrigações”

Francisco Falcão Hawkclaw
Francisco Falcão. Créditos: Vítor Duarte

COLABORAÇÃO de Francisco Falcão Castro, responsável de Investimentos da Hawkclaw Capital Advisors.

O ano de 2023 registou vários focos de volatilidade, tendo terminado com uma tendência positiva para os mercados financeiros. A emergência da guerra entre Israel e o Hamas, o colapso do Credit Suisse e a crise dos bancos regionais nos EUA (Silicon Valley Bank, Signature Bank) foram alguns dos acontecimentos que contribuíram para o crescimento da incerteza entre os investidores. O tema inflação manteve-se como central para as autoridades monetárias que, na sua maioria, prosseguiram o seu ciclo de subida das taxas de juros. O cenário mais temido de uma estagflação ao estilo da década de 1970 não se concretizou. As yields de dívida soberana atingiram o valor mais elevado desde 2007 nos EUA, enquanto o crescimento económico e o setor do emprego permaneceram resilientes, dado o elevado nível de poupança e as políticas de suporte fiscal. Entretanto, a inflação abrandou de forma significativa, primeiro por via do alívio das pressões na oferta e normalização das cadeias de produtivas, e posteriormente por via da contração do consumo e do setor industrial.

Perspetivas para 2024

No próximo ano, a inflação deverá manter a sua tendência de abrandamento, com os dados core a atingirem os 2,4% nos EUA, os 2,0% na zona euro e os 3,0% no Reino Unido. O crescimento económico será fraco ou mesmo inexistente em determinadas regiões, com a economia americana a crescer aproximadamente 1,5% e regiões como a zona euro e Reino Unido a testarem níveis de recessão. 

O cenário de uma recessão moderada e cíclica em 2024 é uma possibilidade tendo em conta que os efeitos das decisões de política monetária tipicamente comportam um lag temporal entre 12 a 18 meses nos reflexos para economia real. As atuais tensões geopolíticas, os movimentos de transição energética e a dinâmica de reshoring das cadeias produtivas são forças inflacionistas que deverão manter os bancos centrais vigilantes e prevenir qualquer movimento precipitado de corte dos juros. Tal contribuirá para uma desaceleração económica mais vincada assim como um maior alívio dos níveis de inflação, factos que irão contribuir para uma mudança de enfoque das autoridades monetárias na segunda metade do ano. As taxas de juro deverão manter-se inalteradas até ao final do primeiro semestre de 2024, com as nossas estimativas de final de ano para a referência nos EUA a situar-se nos 4,25%, zona euro 3,0% e Reino Unido 4,5%. 

Quanto às yields do tesouro a 10 anos consideramos que 3,75%, 2,25% e 3,35%, respetivamente, são valores alcançáveis até ao final do ano. Tendo em conta que as condições de acesso a crédito continuarão difíceis e os níveis de taxa de juro elevados, na primeira metade do ano, acreditamos que os níveis de default continuarão a aumentar acima da tendência da média histórica (EUA a atingir os 5% e Europa 3.75%). Segundo S&P cerca de 40% dos créditos de risco elevado estão sujeitos a downgrade de rating nos próximos 12 meses, sendo que as necessidades de refinanciamento aumentam significativamente em 2025. 

Alocação equilibrada entre obrigações e ações

Tendo em conta o atual cenário macroeconómico e as anteriores considerações, favorecemos uma alocação equilibrada entre obrigações e ações, permanecendo no campo defensor de estratégias balanceadas e dinâmicas, do género 60/40 como melhor solução de investimento para 2024. Favorecemos obrigações versus ações na primeira metade do ano, mas tal como referido consideramos importante manter uma alocação equilibrada. 

Na componente obrigacionista privilegiamos uma estratégia barbell com uma duration no intervalo entre cinco a sete anos, em geral. Em termos de crédito, preferimos a combinação qualidade e subordinação a senioridade e grade especulativo. Quanto a regiões preferimos Europa e mercados emergentes hard currency. No que toca a ações, estamos positivos para consumer staples, healthcare e value na primeira metade do ano, sendo que consideramos uma potencial rotação para uma postura mais cíclica, technology, industrials, materials, consumer discretionary na segunda metade se o cenário que antevemos se concretizar. 

Em termos regionais, preferimos EUA, Europa, Suíça e Japão, sendo que apenas voltaremos com mais convicção a mercados emergentes se a desvalorização do Dólar Americano e as medidas de alívio do Governo Chinês demonstrarem efeitos relevantes para a resolução do problema atual do sector imobiliário. 

Quanto a matérias-primas será natural alguma lateralização de preços ao nível do complexo energético e metais industriais, tendo em conta as expetativas de crescimento económico, pelo menos na primeira fase do ano. Vemos também poucos motivos para apreciação dos metais preciosos. Quanto a movimentos de moeda, consideramos que o Euro se deverá apreciar para o intervalo de 1.12-1.18 face ao Dólar Americano enquanto Franco Suíço e Iene deverão transacionar em baixa ligeira. 

Riscos para o próximo ano

Por fim, destaque para o grande número de eleições a realizar no próximo ano, Taiwan, Rússia, Portugal, Coreia do Sul, Índia, México, Europa (Parlamento Europeu) e as presidenciais nos EUA. A par do risco relacionado com a componente política resultante do quadro eleitoral, destaque ainda para os atuais conflitos na Ucrânia e Médio Oriente, potencial reaquecimento das tensões China-EUA, problemas de imigração e tensões socioculturais, desafios no processo de descarbonização, questões de demografia e impactos sociais resultantes da inteligência artificial e digitalização. 

Os riscos são variados, sendo que parte são estruturais e necessitam de uma abordagem de médio-longo prazo. A juntar aos pontos elencados destaque ainda para os efeitos negativos do elevado nível de endividamento e avultado custo de dívida de diversas economias desenvolvidas (excede os 10% do PIB em alguns casos).

Em conclusão, consideramos que o conjunto do ano de 2024 será positivo para as duas principais classes de ativos, ações e obrigações, sendo relevante ser mais defensivo na primeira metade do ano versus a segunda, pelo que uma abordagem equilibrada e seletiva deverá contribuir para alcançar os objetivos de investimento.