Estarão os investidores a perder uma oportunidade de ouro na China?

Alvaro-Anton-Luna
Alvaro Antón Luna. Créditos: Cedida (abrdn)

TRIBUNA de Álvaro Antón Luna, responsável pelo negócio na Península Ibérica na abrdn. Comentário patrocinado pela abrdn.

Alguns medos infundados e algumas perceções erradas podem estar a criar uma falsa narrativa em relação à China que ameaça levar os investidores a perder a melhor oportunidade numa geração de investir em ações de classe A.

Muitos analistas têm dado voz a uma desilusão com a recuperação tímida da China após a pandemia e a falta de estímulos em grande escala, que se junta às preocupações com a fragilidade do endividado setor imobiliário e a volatilidade geopolítica. Agora, assistimos a um receio de que os decisores políticos falhem a meta de crescimento de 5% do PIB.

Todas estas questões começaram a criar uma narrativa negativa sobre a China que quebrou a confiança do mercado. Os investidores estrangeiros retiraram um recorde de 12.000 milhões de dólares das ações chinesas no mês passado.1 

As valorizações afundaram para mínimos históricos. A 31 de agosto, o PER médio das empresas no índice MSCI China A estava 11% abaixo das médias dos últimos 5 anos, enquanto os rácios price-to-book se encontravam 19% abaixo das médias dos últimos 15 anos.2 

No entanto, o potencial de lucro das empresas permanece intacto. O crescimento estimado do PER para as empresas no índice de ações de classe A situou-se 41% acima das médias dos últimos 5 anos.3 

O que não vemos nesses comentários é um reconhecimento dos objetivos políticos a longo prazo do governo chinês e dos fatores que impulsionam a volatilidade no mercado.

A rivalidade entre os EUA e a China pressiona os decisores políticos a concentrarem-se na segurança e na resiliência económica internas, dando mais ênfase ao crescimento a longo prazo do que ao crescimento a curto prazo para reduzir o risco de choques maiores no futuro. 

O objetivo atual de crescimento da China é menos importante do que costumava ser, uma vez que as autoridades estão a investir em indústrias de alta tecnologia para suportar o crescimento e mitigar a ameaça das atuais e futuras sanções dos EUA. 

No entanto, se o crescimento a longo prazo da China permanecer intacto, como acreditamos, então estamos perante uma oportunidade única de comprar ações chinesas de qualidade, com boas perspetivas de lucro e a preços de saldo — sobretudo de empresas que estão prontas para apresentar bons resultados assim que os receios diminuírem.

Temos boas razões para acreditar que o crescimento da China não está prestes a colapsar. As poupanças das famílias chinesas oferecem um potencial de subida que o mercado parece ter esquecido. 

E estamos a ver empresas chinesas a aproveitar as baixas valorizações para a recompra das suas próprias ações. Este pode ser um primeiro passo rumo a um novo ímpeto nos preços das ações e à revitalização da confiança dos investidores

Para nós, este é um momento oportuno para os investidores seguirem os números e não a multidão. 

Questão de confiança

Para mostrarem a sua desilusão, os analistas fizeram comparações negativas entre a reabertura pós-COVID da China e do Ocidente. No início deste ano, a dinâmica de crescimento trimestral da China ultrapassou as expectativas do mercado, mas desde então abrandou mais rapidamente do que se previa. 

No final do ano passado, quando a China abandonou abruptamente a política COVID zero, as famílias chinesas começaram por abraçar a liberdade. As vendas a retalho subiram quase 16% entre novembro de 2022 e fevereiro deste ano.4 

Mas assim que a euforia inicial passou, as famílias voltaram a adotar padrões de consumo mais conservadores. Os principais dados relativos a julho mostram que as vendas a retalho anuais abrandaram para 2,5% comparativamente à média de crescimento anual de 8% antes da pandemia, em 2019.5

Ao mesmo tempo, vemos uma maior procura no setor das viagens e do turismo. As viagens interurbanas6 e os volumes de passageiros no metro e no transporte aéreo7 mostram um desempenho anual claramente superior; as receitas de bilheteira também foram elevadas este verão.8

É importante salientar que as autoridades chinesas não distribuíram os elevados incentivos que deram um impulso tão forte aos mercados desenvolvidos. As famílias chinesas ainda mantêm o barril de pólvora das poupanças que acumularam durante os confinamentos e que equivale a cerca de 4% do PIB.9 

Da nossa parte, estamos confiantes de que uma redução contínua da taxa de poupança das famílias vai permitir uma recuperação mais completa dos serviços e do consumo nos próximos meses.

Além disso, estamos a assistir a um ciclo de baixa dos stocks industriais. Quando esse ciclo chegar ao fim, as empresas vão ter de investir e contratar novamente, o que se deverá traduzir num estímulo ao aumento dos salários e à criação de emprego nos próximos seis meses, dando às famílias maior confiança.

Falta de estímulos em grande escala

Um dos aspetos mais problemáticos para os analistas tem sido a falta de estímulos em grande escala; e concordamos que a resposta política tem sido desanimadora até à data.

Os dececionantes dados de julho, pelo menos, estimularam uma flexibilização da política em agosto, incluindo a taxa de acordos de recompra a sete dias, os mecanismos de empréstimo e a taxa de juro preferencial a um ano, o que também deverá ajudar a flexibilizar as condições financeiras futuramente.

As famílias também deverão beneficiar de um novo alívio fiscal sobre os cuidados com crianças e idosos. Este alívio pode ter impacto em cerca de 80% dos contribuintes, com efeitos retroativos ao início deste ano.

Os bancos estão a ser pressionados para reduzir as taxas de juro e o corte nas taxas de depósito levado a cabo pelos principais bancos também está a encorajar o consumo das famílias, ao mesmo tempo que ajuda a proteger as margens de juro líquidas dos bancos.

Tudo isto é somado às medidas de apoio ao fragilizado mercado imobiliário da China, incluindo montantes mínimos de entrada mais baixos e uma classificação mais flexível de quem se considera que está a comprar a sua primeira habitação em algumas cidades.

O Banco Popular da China também cortou o rácio de reservas mínimas em dois pontos percentuais — para 4% — num esforço contra a depreciação do renminbi.

Consideramos que há um risco de os mercados não estarem a dar a devida importância à resposta política da China e aos efeitos cumulativos destes pequenos passos. 

Acreditamos que as autoridades chinesas se encaminham para uma postura acomodatícia e para aumentar a despesa orçamental, tirando partido da emissão de obrigações soberanas para impulsionar o investimento em áreas como as infraestruturas. 

A ideia errada que está a ser disseminada é a de que os investidores devem esperar por estímulos em grande escala e os preços das ações não podem recuperar sem eles. 

Os estímulos oferecem um apoio generalizado ao mercado, mas o mais importante para os investidores são os lucros das empresas. É necessário analisar os dados fundamentais das empresas para se perceber como vai ser o seu desempenho e qual a probabilidade de se tratar de um investimento sustentável. 

A análise dos resultados nunca foi tão importante como neste momento em que as autoridades tentam alimentar pequenos gigantes, isto é, transformar pequenas empresas em líderes da indústria para estimular a inovação e ajudar a China a competir com os EUA. 

Prevemos uma forte procura por fabricantes de componentes para veículos elétricos, onde vemos potencial para um desempenho elevado. É de assinalar que as nossas posições verdes estão a negociar com um desconto de 49% relativamente à média a três anos10 — destacando o forte potencial de investimento. 

Risco no imobiliário

Adicionalmente, as preocupações dos investidores centram-se nos riscos da dívida no setor imobiliário, que representa cerca de um quarto da atividade económica da China.11 

Os construtores endividados têm tido dificuldade em concluir os projetos à medida que se vão adaptando à nova realidade regulamentar. Os incumprimentos de grandes empresas, como a Evergrande, e os problemas na Country Garden, que até recentemente era vista como um construtor de alta qualidade, abalaram a confiança do mercado. 

A recessão no setor tem prejudicado o sentimento no mercado acionista. No entanto, o setor imobiliário representa apenas 1,8% do índice MSCI China A11 e 2,6% do índice MSCI All China.13 

Podemos esperar mais incumprimentos e reestruturações no decurso da limpeza e consolidação do setor. Mas também antecipamos mais políticas para garantir que esta situação não se torne um Lehman Brothers da China. 

Não devemos esquecer que o setor bancário estatal continua a ser uma poderosa alavanca que as autoridades podem usar para combater o risco que emana do setor imobiliário e evitar que este alastre ao sistema financeiro.

Identificar oportunidades

Subestimar os objetivos políticos a longo prazo da China está a contribuir para uma falsa narrativa e a criar uma espiral negativa que parece perpetuar-se em termos de sentimento de mercado.

As autoridades podiam estimular o crescimento agora, mas talvez isso se traduzisse em riscos que poderiam comprometer o crescimento mais tarde sob a forma de uma crise financeira ou imobiliária, o que levaria a uma recessão e a um arrastamento prolongado dessa situação na economia. Achamos que é melhor tomar as decisões difíceis agora. Mitigar os riscos no setor imobiliário no presente tem um custo em termos de crescimento, mas provavelmente evita problemas maiores no futuro.

Acreditamos que os efeitos cumulativos dos pequenos estímulos, a baixa de stocks e a recompra de ações podem ajudar a sustentar o crescimento e a restaurar a confiança do mercado no segundo semestre deste ano. 

O que podemos afirmar é que o mercado de ações chinês se encontra a preço de saldo comparativamente a dados históricos, ao mercado americano e a outros mercados emergentes. As ações de qualidade foram bastante afetadas. No entanto, se a recuperação do mercado for como esperamos, os investidores vão voltar a focar-se rapidamente nos dados fundamentais.

Trata-se da melhor oportunidade de uma geração para investir em ações de classe A com boas perspetivas de lucro. Os investidores só precisam de ver para além da narrativa atual excessivamente negativa.


  1. Financial Times, 1 de setembro de 2023
  2. Pesquisa abrdn, 31 de agosto
  3. Pesquisa abrdn, 31 de agosto
  4. abrdn Research Institute
  5. Haver
  6. Baidu Migration Index, BofA Global Research, 13/08/23
  7. Wind, Goldman Sachs Global Investment Research, 16/08/23
  8. Wind, China Film Administration, 09/08/23
  9. abrdn Research Institute
  10. abrdn, 31 de julho de 2023
  11. Números retirados de Rogoff e Yang (2020), NBER working paper 27697.
  12. Bloomberg, 7 de setembro de 2023
  13. Bloomberg, 7 de setembro de 2023