João Paulo Silva (novobanco): "Não esperamos nem um regresso rápido ao objetivo dos 2%, nem descidas nas taxas de juro de referência"

João Paulo Silva novobanco
João Paulo Silva. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de João Paulo Silva do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco.

À entrada do 2º semestre de 2023, o aperto das políticas monetárias dos principais bancos centrais começa a refletir-se numa desaceleração ao nível da concessão de crédito bancário e da procura interna. Esta desaceleração terá sido uma das razões, que levaram a Reserva Federal a efetuar uma pausa no seu ciclo de aumento de taxas em junho, pausa essa que foi, no entanto, acompanhada por uma sinalização de que não se podia descartar a necessidade de se vir a retomar o ciclo de aumentos já em julho. Aumentos de taxas em julho, que são vistos como um dado adquirido na Zona Euro, seriam um reflexo dos sinais de persistência das taxas de inflação subjacente a níveis considerados como demasiado elevados pela generalidade dos bancos centrais das economias desenvolvidas.

Sendo certo que a taxa de inflação tem estado numa clara trajetória descendente devido à queda dos preços das matérias-primas e da debilidade do consumo de bens, não é menos verdade que a inflação subjacente, devido à inflação no setor de serviços, se encontra ainda teimosamente acima dos 5% em termos homólogos, tanto nos EUA, como na Zona Euro.

A nossa perspetiva para a inflação é de uma queda mais visível na segunda metade de 2023 provocada por uma redução da taxa de inflação no setor dos serviços (nos EUA), uma queda na procura originada por condições financeiras mais apertadas e uma menor capacidade das empresas em aumentar os seus preços. No entanto, não esperamos nem um regresso rápido ao objetivo dos 2%, nem descidas nas taxas de juro de referência tanto nos EUA, como na Zona Euro. De facto, após as reuniões de política monetária de junho, mantivemos a nossa previsão de duas subidas adicionais de 25pb cada na Zona Euro e de manutenção das taxas nos EUA, mas com uma possibilidade bem real de a Reserva Federal vir a efetuar mais duas subidas ainda em 2023.

Em relação à atividade económica, tanto os EUA, como a Zona Euro conseguiram evitar, até agora, uma verdadeira recessão (uma queda sustentada e significativa da atividade económica), devido à robustez do consumo privado, baixas taxas de desemprego, poupanças excedentárias e apoio das políticas orçamentais. O arrefecimento do consumo, como meio para conter o crescimento dos preços, é um dos objetivos dos bancos centrais, o que, em conjunto com um aperto das condições financeiras, deverá levar a um crescimento económico mais débil. Os sinais de arrefecimento nos EUA já são mais visíveis no setor dos serviços e nos preços da habitação, enquanto os indicadores avançados PMI sugerem que o setor dos serviços já atingiu o seu pico na Zona Euro. Os sinais de enfraquecimento da recuperação económica pós-Covid na China são cada vez mais evidentes, o que, em conjunto com pressões inflacionistas muito ténues tenderão a pressionar o governo chinês a adotar medidas de estímulo adicionais.

Perante este cenário macroeconómico de uma inflação em queda lenta e de um arrefecimento da atividade, que culminará, no máximo, numa ligeira recessão nas economias desenvolvidas, as nossas perspetivas para os mercados financeiros assentam em duas premissas-base: (i) o mercado obrigacionista reflete este ambiente económico de forma mais correta do que o mercado acionista; (ii) o cenário em termos de crescimento e de geração de resultados é mais risonho para as economias emergentes do que para as desenvolvidas.

Perspetivas para o mercado acionista

Se adicionarmos receios em relação a um cenário de recessão, com subidas agressivas e rápidas das taxas de juro, uma crise no setor bancário seguida de restrições à concessão de crédito e retirada de liquidez da economia por parte dos bancos centrais (para não falar da incerteza provocada pela novela relativa ao teto da dívida pública dos EUA), temos a receita perfeita para um…

…bull market!

Desafiando a velha máxima "don’t fight the Fed", bem como a recessão “mais aguardada de sempre”, os mercados acionistas das economias desenvolvidas têm vindo a apresentar uma, pelo menos para nós, surpreendente recuperação das quedas de 2022. O otimismo dos investidores tem vindo a ser suportado por uma esperança numa revolução de produtividade gerada pela Inteligência Artificial, por economias surpreendentemente resistentes, sobretudo no que diz respeito ao mercado de trabalho, por resultados que não foram tão maus como se receava e por alguns sinais recentes de que o movimento de subida nas bolsas dos EUA se estava a alargar ao S&P 493. Estas subidas dos mercados geram, também, uma corrente de otimismo que atrai novos investidores, que receiam perder o barco, criando, assim, um círculo virtuoso. Um último, mas, na nossa opinião, fundamental pilar de sustentação deste bom desempenho do mercado acionista foi a visão generalizada junto dos investidores (mas não, diga-se, junto dos economistas e dos estrategas de mercados, na qual nos incluímos) de que a Reserva Federal iria iniciar o ciclo de descida de taxas no 2º semestre de 2023.

Um olhar mais cético em relação ao desempenho do mercado acionista realça, sobretudo, o facto da subida verificada nos EUA se estar a dever, essencialmente, a um conjunto muito restrito de sete a oito empresas de Mega capitalização ligadas ao setor tecnológico e o poder preditivo de uma curva de rendimentos invertida.

Dado que a nossa perspetiva é de que não antevemos, nem uma descida das taxas de juro em 2023, nem nada mais do que, a acontecer, uma recessão muito branda, preferimos um posicionamento, que nos permita, ao mesmo tempo, participar no bom momento do mercado acionista e manter uma postura cautelosa. Esta quadratura do círculo consubstancia-se numa visão neutra para as ações dos EUA e Europeias e para numa visão positiva para as ações Globais (MSCI World) e de Mercados Emergentes.

Esta aparente contradição entre as visões para as ações dos EUA e da Europa e para as ações Globais assenta em duas premissas: (i) a nossa opinião de que as carteiras modelo do nosso serviço de aconselhamento financeiro irão beneficiar de uma exposição ao atual ciclo ascendente do mercado de ações; (ii) que esta exposição deve ser o mais cautelosa possível. Tal significa que deve apoiar-se tanto nos mercados europeu e japonês, cujo desempenho é baseado mais em dados fundamentais (valorizações mais atrativas e, no caso do Japão, a transição em curso para um ambiente mais favorável para os acionistas), como no mercado norte-americano, onde o desempenho se tem sido baseado mais no sentimento dos investidores e em dados de análise técnica.

Perspetivas para o mercado obrigacionista

O risco de duração foi o pior pesadelo dos investidores ao longo de 2022, ano em que as taxas de juro implícitas (yields) das obrigações governamentais dispararam devido a uma inflação descontrolada, que forçou os bancos centrais a aumentar as taxas de forma agressiva. Avançando para 2023, temos vindo a assistir ao reverso do cenário anterior: yields em máximos de 15 anos e a noção de que tanto a inflação como a atividade económica se encontram numa trajetória descendente criam uma base sólida para rendibilidades futuras.

Este ambiente macroeconómico sustenta a nossa perspetiva de que estamos próximo do fim do ciclo de subida das taxas o que, por sua vez, justifica a nossa convicção de que as taxas terão atingido o seu pico. A concretizar-se esta perspetiva, qualquer aumento nas taxas seria de reduzida amplitude e temporário, o que, serviria como um incentivo para os investidores, que ainda não o fizeram, para garantir taxas de rendimento implícitas em máximos de 15 anos.

A nosso ver, existem, então, três argumentos decisivos para adicionar duração através de obrigações governamentais: (i) as yields atuais oferecem proteção ao nível da rendibilidade total, mesmo que as taxas ainda subam; (ii) assegurar, desde já, as atuais yields reduz o risco de reinvestimento, caso as taxas, como prevemos, tenham atingido o seu pico; (iii) na atual envolvente de desaceleração económica e de eventual recessão, as obrigações com maturidades de médio e de longo prazo estão idealmente posicionadas para fornecer proteção a uma carteira de investimento, tanto em termos de rendibilidade relativa, como absoluta.

Além da duração, também nos parece fazer sentido adicionar obrigações de investment grade. As valorizações estão a níveis atrativos, tanto ao nível dos spreads, como ao nível de yields, que comparam favoravelmente com os dividendos do mercado acionista. Para além disso, as notações de risco, a taxa de cobertura dos juros está em níveis confortavelmente elevados e o grau de endividamento é baixo do ponto de vista histórico, o que deve limitar os riscos inerentes a um possível aumento das taxas de incumprimento.

Em relação às obrigações de grau especulativo, a nossa perspetiva não é favorável, essencialmente porque os spreads atuais estão demasiado estreitos, tanto em termos absolutos como relativos (ou seja, em comparação com os spreads das obrigações de investment grade). Logo, não refletem adequadamente o ambiente de desaceleração do crescimento económico e de maior restritividade na concessão de crédito que antevemos.

Para terminar, uma palavra sobre as obrigações dos mercados emergentes, para as quais mantemos uma perspetiva neutra de acordo com o seguinte raciocínio: as condições proporcionadas pelas obrigações de investment grade fazem com que não se justifique uma sobre-exposição à dívida dos mercados emergentes, sobretudo se tivermos em conta que, em termos relativos, os spreads da dívida corporativa emergente estão mais caros do que os da dívida de investment grade.

Perspetivas para os investimentos alternativos

As nossas perspetivas para a categoria de Investimentos Alternativos, composta pelos Ativos Reais Líquidos e pelas Estratégias de Retorno Absoluto, também são neutras.

Começando pelos Ativos Reais Líquidos, a desaceleração económica nas economias desenvolvidas e a reabertura da economia chinesa, alicerçada quase exclusivamente no setor de serviços, não constituem bons augúrios para as matérias-primas (com a possível exceção do ouro). O setor imobiliário comercial dificilmente deixará de continuar a ser prejudicado pelo aumento das restrições à concessão de crédito, algo que deverá continuar a afetar o setor imobiliário como um todo.

O racional para incluir Estratégias de Retorno Absoluto numa carteira de investimento, perde grande parte da sua razão de ser num ambiente de mercado onde as ações proporcionam rendibilidade e as obrigações rendimento e diversificação.

Principais riscos

O principal risco que paira sobre o nosso posicionamento em termos de alocação de ativos (recordando: Positivo em Mercado Monetário, Obrigações Governamentais EUA, Obrigações de Investment Grade, Ações de Mercados Emergentes e Ações Globais; Neutro em Obrigações Governamentais Euro, Obrigações de Mercados Emergentes, Ações Europa, Ações EUA e Alternativos; Negativo em Obrigações de Grau Especulativo) advém da possibilidade do combate à inflação venha a resultar em políticas monetárias demasiado restritivas. Se tal vier a acontecer, o aumento dos danos provocados à atividade económica deveria repercutir-se negativamente sobre os mercados acionistas, o que poria em causa a validade, não só do nosso posicionamento positivo em relação às Ações Globais, como, potencialmente, do nosso posicionamento neutro em relação às Ações Europeias e dos EUA. Esta maior dificuldade no combate à inflação também poria em causa a nossa perspetiva de que estamos próximos do fim do ciclo de subida das taxas, o que seria negativo para a nossa preferência por duração.

No cenário inverso em que os bancos centrais conseguem alcançar o El Dorado de controlarem a inflação sem provocar danos visíveis na economia (os tão badalados soft landing ou, até, no landing), o nosso posicionamento negativo em Obrigações de Grau Especulativo representaria um custo de oportunidade não negligenciável.