Francisco Falcão (Hawkclaw Capital Advisors): “Esperamos que o crescimento económico e a inflação continuem a sua tendência de abrandamento”

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Francisco Falcão. Créditos: Cedida (Hawkclaw Capital Advisors)

TRIBUNA de Francisco Falcão Castro, responsável de Investimentos da Hawkclaw Capital Advisors.

A primeira metade do ano surpreendeu pela positiva muitos investidores embora vários eventos tenham condicionado o quotidiano económico-financeiro. As robustas posições de balanço por parte das empresas e um nível de poupança do agregado familiar relativamente elevado, em termos históricos, contribuíram para a resiliência da economia global num período em que as autoridades monetárias prosseguiram com a sua política de aumento de taxas de juro. 

O crescimento económico global abrandou, mas o cenário de recessão foi até agora evitado. A inflação desacelerou, ainda que a um ritmo inferior ao pretendido pelas autoridades monetárias, essencialmente devido à não-linearidade do efeito da subida dos juros. O semestre foi ainda marcado pelo colapso de vários bancos regionais americanos, o quase-colapso do Credit Suisse e a onda de incumprimentos no setor imobiliário comercial, o que reavivou a memória de outras crises. 

A incerteza gerada por tais acontecimentos tem tendência para reduzir a propensão ao risco por parte dos agentes económicos, facto esse que provoca um aumento das restrições na concessão de crédito por parte instituições bancárias por via da adoção de um maior grau de conservadorismo estratégico e da potencial necessidade de gestão de constrangimentos ao nível do balanço. 

Perspetivas para as principais economias 

Na segunda metade do ano, esperamos que o crescimento económico e a inflação continuem a sua tendência de abrandamento quer nos EUA, quer na Europa, como consequência de uma política monetária restritiva, deterioração das condições de acesso ao crédito, queda dos preços de matérias-primas e melhoria dos fluxos comerciais, os quais terão efeitos positivos ao nível da oferta. 

Por seu lado, a China deverá manter uma política monetária acomodativa dadas as evidências de abrandamento da atividade económica nas últimas semanas. Por fim, a economia japonesa, por várias décadas refém da síndrome deflacionista, goza finalmente de uma dinâmica inflacionista em níveis moderados, que potencia um crescimento económico saudável quando acompanhado por medidas adequadas da autoridade monetária. 

Classes de ativos melhor posicionadas para enfrentar o semestre

Quanto a classes de ativos privilegiamos uma abordagem balanceada tanto para ações como para obrigações. As oportunidades são hoje mais evidentes na componente obrigacionista tendo em conta que nos encontramos próximos do final do ciclo de subidas de taxa de juro, vislumbrando mesmo potenciais cortes em 2024. O posicionamento em termos de duration deverá continuar a aumentar gradualmente até ao final do ano sendo que em termos de dívida pública americana e europeia mantemos o posicionamento nos três a cinco anos. O atual nível dos spreads de crédito comporta já um prémio significativo face à média histórica, mesmo considerando que a taxa de incumprimento poderá aumentar nos próximos trimestres. Por tal, consideramos como interessante o investimento em dívida corporativa de qualidade de crédito superior, dívida emergente soberana ou corporativa denominada em hard currency, assim como algumas posições oportunísticas em dívida subordinada não financeira ou mesmo high yield com maturidades curtas. Em termos de mercado acionista, após a forte apreciação da vertente growth, seguir-se-á um período de consolidação sendo desejável uma rotação para value. 

As revisões em baixa por parte de analistas em trimestres anteriores, antecipando o potencial impacto do abrandamento económico, contração de margens e vendas, abrem portas à possibilidade de surpresas positivas. Os períodos de volatilidade deverão ser aproveitados pelos investidores para acumular posições, sendo que poderá fazer sentido tomar uma postura mais defensiva em setores menos cíclicos como alimentação e bebidas, produtos de beleza, higiene e saúde para posteriormente acumular posições em setores mais sensíveis à redução dos juros. O mercado americano continuará a dominar as alocações, mas Europa, Japão, Suíça e Austrália são hoje opções a considerar. 

Em termos de matérias-primas, as perspetivas mantém-se negativas na generalidade, com exceção do cobre que se deverá manter suportado devido aos potenciais desequilíbrios entre procura e oferta decorrentes da megatendência da eletrificação não ter sido devidamente acompanhada por um fluxo adequado de investimento em termos de exploração e mineração. 

A evolução do ouro e gás continuará dependente da evolução do conflito entre a Ucrânia e Rússia, sendo que o petróleo deverá oscilar ao sabor dos desígnios da OPEC+. Por forma a gerir o nível de volatilidade a alocação a alternativos com estratégias de relative value poderá fazer sentido, dependendo do perfil do investidor. 

Por fim, continuamos a considerar que o dólar americano se deverá depreciar face ao euro terminando o ano no intervalo de 1.12-1.15. Já o franco suíço continuará a ser privilegiada como a nossa denominação de refúgio. 

Principais riscos e temas a acompanhar

O principal risco prende-se com um cenário de recessão global acompanhado por erros de política monetária. Além deste, monitorizamos também o desenrolar da crise no setor bancário regional americano, os problemas no imobiliário comercial, os desequilíbrios geopolíticos e o conflito Ucrânia-Rússia. Como pontos positivos a acompanhar destaque para a adoção da inteligência artificial, machine learning, big data analytics e natural language processing como forças disruptivas em vários setores de atividade. Desejando a todos os investidores muito sucesso para a segunda metade do ano, terminamos com a frase eternizada pelo reputado investidor Peter Lynch, know what you own, and know why you own it.