Mário Carvalho e Tiago Gaspar (Banco Carregosa): "Os efeitos negativos da política monetária restritiva devem continuar a propagar-se para o resto da economia"

Mário Carvalho Fernandes e Tiago Gaspar. Créditos: Cedida (Banco Carregosa)

TRIBUNA de Mário Carvalho, CIO, e Tiago Gaspar, responsável pela Análise e Seleção de Fundos, do Banco Carregosa.

O dinamismo económico no primeiro semestre foi surpreendentemente forte. Os piores receios dos impactos de uma crise energética na Europa durante os meses de inverno não se concretizaram, e economia chinesa reabriu mais cedo do que o esperado e a economia dos Estados Unidos permaneceu praticamente imune aos efeitos da súbita subida da taxa de juro. Contudo, surgem alguns sinais de fragilidade, que foram sentidos já nos setores mais sensíveis aos movimentos das taxas de juro e que podem continuar a agravar-se. No setor bancário algumas entidades mais expostas ao risco de taxa de juro já foram alvo de intervenção, mas permanecem receios face aos impactos que possam ainda advir da exposição da banca regional ao setor do imobiliário, nomeadamente no setor do imobiliário comercial dos Estados Unidos, mas também causa apreensão o setor imobiliário residencial em economias como a chinesa, canadiana, australiana e norte da Europa.

Principais economias

Os efeitos negativos da política monetária restritiva devem continuar a propagar-se para o resto da economia, à medida que as bolsas de descompressão se começam a esvaziar e os agentes económicos sejam forçados a alterar os seus padrões de consumo e investimento. Este é um cenário desejado pelas autoridades monetárias e por isso deverá ser acompanhado de medidas que permitam o relançamento economia antes de que esta sucumba. Mas os riscos são elevados.

A economia dos Estados Unidos deverá acentuar a dinâmica de redução da atividade económica, possivelmente pela via da contração do crédito ao setor privado, embora a nova vaga de interesse na Inteligência Artificial possa desencadear uma nova vaga de investimento.

A economia chinesa tem apresentado uma recuperação mais lenta do que o antecipado. O excesso de stocks que foram acumulados em todo o mundo, com a sobreposição da lógica just in case à lógica just in time, tem sido um peso que penaliza as economias mais industriais. Adicionalmente, os consumidores chineses não tiveram os apoios disponibilizados no ocidente, pelo que precisam de tempo para reequilibrar as suas contas. Estes dois efeitos devem esvanecer-se gradualmente e a economia deverá beneficiar das políticas de estímulo promovidas pelo banco central chinês. A dormência da economia chinesa a par com a depreciação do renminbi têm contribuído para as menores pressões inflacionistas do resto do planeta.

A Europa deverá continuar a revelar fragilidades no seu crescimento económico, com o contravapor das políticas restritivas do banco central. A confiança dos consumidores e as vendas a retalho já evidenciam as dificuldades sentidas pelas famílias. O continente ainda poderá enfrentar dificuldades de abastecimento energético caso as temperaturas atinjam valores extremos e os stocks, atualmente em níveis elevados, sejam rapidamente consumidos. A grande divergência entre os níveis de atividade e o setor industrial e de serviços deverá reduzir-se, eventualmente com a indústria a recuperar para níveis menos depressivos e os serviços a caírem em zona de retração.

A fase de inflação global contribui para a mitigação de algumas das forças que têm mantido o Japão num ciclo vicioso deflacionista. Adicionalmente, a depreciação do iene e a manutenção de uma política monetária expansionista podem dar algum alento à economia nipónica, que deverá, contudo, continuar a ser prejudicada pelas fragilidades demográficas estruturais.

Os mercados emergentes, na sua generalidade, devem continuar pressionados pela baixa cotação das matérias-primas industriais, pela redução dos níveis de liquidez global e pela baixa atividade económica. A Índia pode continua a beneficiar da captação de investimento que diverge da china por motivos geopolíticos e o Brasil pode beneficiar da sua exposição aos bens agroalimentares, cujas cotações se têm revelado persistentes, e da atuação bem-sucedida do banco central na mitigação do surto inflacionista.

Classes de ativos melhor posicionadas para enfrentar o semestre 

Os bancos centrais entraram numa fase de refinamento do nível adequado da taxa de juro. O nível máximo que as taxas de juro vão atingir neste ciclo está muito possivelmente próximo dos níveis atuais. Por outro lado, os riscos de que seja necessário provocar uma quebra mais acentuada da economia aumentam, pelo que o refúgio em ativos com as características de obrigações soberanas de elevada qualidade creditícia e com maturidades e duration mais longas começam a ter um papel importante numa carteira de investimentos diversificada.  

O principal risco deste investimento em obrigações de prazos mais longos advém de surpresas ao nível da inflação e consequentemente de taxas de juro mais elevadas no futuro, pelo que acreditamos deve ser balanceado com uma componente de liquidez elevada, investida em instrumentos de mercado monetário, de muito curto prazo.

A exposição ao mercado acionista enfrenta alguns riscos provenientes do esgotar deste ciclo económico e deverá ser mantida em níveis prudentes.

A nova vaga de interesse na Inteligência Artificial pode desencadear um novo ciclo de investimento que relance o interesse nos mercados acionistas e na descoberta dos novos líderes deste paradigma. Os impactos na economia deverão ser mais diferidos no tempo, mas a libertação de animal spirits podem acentuar a divergência entre a economia real e a economia de Wallstreet, até porque esta praça financeira está fortemente concentrada em algumas poucas empresas com grande exposição a esta temática. De igual forma, muitas das empresas tecnológicas tendem a beneficiar de um regime de taxas de juro mais baixo, pelo que um abrandamento da atividade económica pode ser um catalisador para as empresas deste sector, que mantenham balanços e modelos de negócio fortes o suficiente para ultrapassar o período turbulento de uma recessão sem sucumbir. 

Os riscos que geram mais preocupação 

O risco que continua a ser mais preocupante para a valorização das carteiras de investimentos continua a ser o de uma segunda vaga inflacionista. Felizmente esse cenário ficou mais afastado, em grande medida, em consequência de uma retoma da economia chinesa mais branda e menor intensidade de utilização de matérias-primas. 

O risco do impacto da subida das taxas de juro na economia é atualmente mais provável de se concretizar, mas pode ser protegido numa carteira diversificada. O impacto da política monetária na economia não é imediato nem linear. Os efeitos demoram vários meses a propagar-se pelos vários agentes económicos, com vários estudos a indicar que esse desfasamento pode ser superior a um ano. Adicionalmente, os juros encontravam-se anormalmente baixos, pelo que os impactos das primeiras subidas podem ser menores do que o observado historicamente. O impacto não é linear pois existe um ponto, desconhecido à priori, até ao qual o nível dos juros afeta pouco os agentes económicos, mas a partir do qual, qualquer aumento passa a ter um impacto muito significativo num conjunto alargado de intervenientes. Esta elevada incerteza justifica doravante a postura mais cautelosa por parte dos bancos centrais, para evitar que a política monetária seja excessivamente restritiva. Enquanto a economia permanecer em pleno emprego e com a inflação acima do valor objetivo o enviesamento continuará a ser no sentido de uma preferência das autoridades monetárias em errar por excesso do que por defeito.

Por fim, o mundo continua agitado, com um ambiente geopolítico com eventos que ameaçam alterar o status quo com uma frequência alucinante. Neste contexto os investidores devem privilegiar um equilíbrio entre segurança e rentabilidade, adequado ao seu perfil.

Os fundos de investimento em destaque para o segundo semestre e temas de investimento

Em função do nosso cenário macro que acreditamos ser o mais provável no segundo semestre, para a classe obrigacionista, estamos confiantes no fundo PIMCO Global Bond como elemento principal do portefólio em que outros fundos de obrigações são adicionados consoante o perfil de risco e/ou política de investimento. Para a classe acionista, apoiamo-nos num conjunto de fundos de exposição global a grandes capitalizações em que o estilo de qualidade predomina, como por exemplo o Fundsmith Equity. Na categoria de multiativos, o fundo que mais ênfase temos dado é ao Acatis (Gané) Value Event. Por fim, na categoria de alternativos, acreditamos que fundos CTA/MultiStrategy poderão ser os que mais beneficiarão de futuras deslocações dos mercados caso se verifique uma recessão. Para esta categoria preferimos o Welton Multi-Strategy Global Macro.

De momento estamos confortáveis com os veículos de investimento que temos para representar as nossas ideias.