Rui Machado (IMGA): “O processo de subida das taxas diretoras terá atingido um pico e as nossas expetativas apontam para cortes significativos em 2024”

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Rui Machado. Créditos: Vítor Duarte

COLABORAÇÃO de Rui Machado, diretor de Investimentos, da IM Gestão de Ativos.

O nosso cenário central para 2024 é de um crescimento frágil da economia mundial, abaixo da tendência de longo prazo e com o abrandamento das economias desenvolvidas a ser o principal responsável para este enquadramento

Os contributos favoráveis a que assistimos em 2023 das políticas orçamentais, das poupanças excedentárias e a fixação de dívida a taxas de juro baixas estarão, em grande parte, esgotados. Adicionalmente, fatores mais estruturais como a solidez do mercado laboral dão agora as primeiras indicações de inversão, com uma desaceleração do emprego. O enquadramento para o financiamento do setor empresarial mostra-se atualmente também mais adverso.

Entre as principais geografias, as nossas estimativas apontam para uma desaceleração acentuada dos EUA, com uma elevada probabilidade de recessão, embora pouco duradoura e de proporção modesta, o que deverá contribuir para um perfil anual de crescimento bastante modesto. A área do Euro e o Reino Unido deverão continuar a exibir um desempenho fraco, com mais trimestres de quebra da atividade, embora também aqui não se antecipe uma recessão acentuada fruto da recuperação do rendimento real disponível. A China deverá crescer menos do que em 2023, mas beneficiar das medidas estatais de estabilização do ritmo de atividade.

Inflação

Embora se antecipe uma continuidade do processo desinflacionista ao longo de 2024, os níveis de inflação deverão permanecer acima do objetivo dos bancos centrais da generalidade das economias desenvolvidas. A proporção deste ajustamento em baixa da inflação estará sujeita em grande medida à evolução das matérias-primas e da atividade económica. Contudo, a tendência a longo prazo continuará a estar mais dependente da evolução do mercado laboral e do ritmo de expansão da atividade.

Política monetária

O processo de subida das taxas diretoras terá atingido um pico e as nossas expetativas apontam para cortes significativos em 2024, sendo esses cortes particularmente relevantes nas economias desenvolvidas. As economias emergentes estão já numa fase mais avançada deste processo, fruto do maior controlo inflacionista e das respetivas políticas monetárias mais restritivas.

A trajetória descendente da inflação e os níveis de atividade económica serão fundamentais para a confirmação destes cortes. Neste capítulo pensamos que existe o risco de o mercado estar a antecipar cortes demasiadamente cedo, pelo que os indicadores económicos divulgados ao longo do primeiro trimestre irão ser certamente acompanhados com muita atenção pelos investidores.

Obrigações

O aumento dos programas de financiamento para 2024 poderá ser um dos temas impactantes, principalmente nos EUA, onde o tesouro norte-americano terá a necessidade de financiar o aumento do défice fiscal projetado. O risco geopolítico estará também sempre presente e tenderá a ser elevado ao longo de todo o ano. Este cenário deverá implicar taxas de juro relativamente elevadas durante mais tempo.

A liquidez, a alavancagem e as métricas fundamentais de crédito das empresas deverão mostrar sinais de deterioração devido às taxas de juro mais elevadas. De igual forma, as taxas de insolvência deverão aumentar, principalmente no segmento de High Yield.

O segmento de Investment Grade deverá registar um maior suporte nos spreads com a realocação dos ativos para a classe de fixed income a yields mais elevadas. No entanto, o volume de emissões no mercado primário continuará a colocar pressão sobre os prémios de emissão. O segmento de High Yield tenderá a incorporar um maior risco de recessão global, colocando pressão sobre os spreads. Apesar disso, o efeito carry continuará a suportar esta classe de ativos.

Ações

Os mercados acionistas globais parecem estar posicionados para uma desaceleração económica suave, acompanhando uma descida das taxas de juro diretoras no curto prazo, fruto de uma queda sustentada da inflação. No entanto, existem vários potenciais obstáculos pela frente.

Por um lado, um cenário de taxas higher-for-longer, aliado a níveis de alavancagem historicamente elevados, podem criar situações de stress financeiro. Por isso, o mercado de dívida soberana norte-americana poderá vir a ser um potencial um ponto de fraqueza em 2024 devido à falta entendimento político para uma queda sustentável do défice anual para níveis comportáveis a médio prazo. Caso as taxas de juro a longo prazo se mantenham a níveis elevados, o custo da dívida irá disparar, com repercussões evidentes no orçamento federal e, por consequência, na economia dos EUA.

Por outro lado, a complacência que os investidores têm demonstrado para com o mercado acionista, ilustrado pelo reduzido prémio de risco atualmente implícito, pode esgotar-se e trazer um ano menos favorável para os mercados acionistas.

Em conclusão, estamos relativamente cautelosos para os mercados acionistas, uma vez que estes parecem incorporar atualmente um cenário potencial demasiadamente otimista. Adicionalmente, o retorno esperado de outras classes de ativos parece ser mais atrativo, em especial se tivermos em consideração o melhor binómio risco-retorno.