Carlos Pinto (Optimize IP): “O próximo ano promete ser muito desafiante em termos económicos”

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Carlos Pinto. Créditos: Vitor Duarte

COLABORAÇÃO de Carlos Pinto, gestor sénior de Investimentos da Optimize Investment Partners.

2023 foi o ano do ataque cerrado à inflação. A generalidade dos bancos centrais, adotaram uma série de políticas restritivas para contrariar a elevada inflação, concretizando o ciclo mais agressivo de subidas das taxas de juro das últimas décadas. Apesar de ainda estar longe do nível pretendido, a inflação está a apresentar um forte abrandamento, estimando-se que atinja a meta da Fed e do BCE nos próximos dois anos, pelo que 2023 deverá ficar marcado pelo fim do ciclo de subidas da taxa de juro. Há ainda a realçar o conflito armado no Médio Oriente, que ameaçou uma nova escalada no preço do petróleo, mas ao manter-se circunscrito a Israel e Palestina, este acabou por aliviar retirando novamente a pressão sobre a inflação. 

Contra todas as expetativas, o ano vai terminar com a generalidade das economias a registarem um forte abrandamento, mas ainda com crescimento positivo. Apenas a Alemanha deverá terminar o ano em recessão, por tratar-se de uma economia muito exposta ao setor industrial, e muito impactada pela subida dos custos com a energia do ano interior. Os restantes países da zona euro, especialmente os mais expostos a serviços, e menos dependentes da importação de energia do leste europeu, deverão evitar a recessão. 

As generalidades dos ativos financeiros apresentaram performances positivas. No caso das ações, esta performance esteve muito concentrada nas megacaps. Nas obrigações, apesar da volatilidade nas taxas de juro, o efeito carry, acabou por proporcionar a estabilidade pretendida no desempenho desta classe de ativo.

EUA

Contra todas as expetativas, os EUA acabaram por escapar à recessão durante o último ano, estimando-se que termine 2023 em forte abrandamento, mas ainda no sentido positivo. Apesar da maioria dos analistas antecipar que a economia iria entrar em recessão durante este ano, devido ao ritmo de subida das taxas de juros por parte da Fed, tais medidas acabaram por não ter o efeito tão célere como se esperava, com o ano a fechar com o mercado laboral robusto e sobretudo pelo PIB ainda a revelar um crescimento ligeiro da economia impulsionado pelo Plano Biden.

Acontece que estas políticas restritivas, na realidade americana, têm um efeito mais demorado a materializar-se na economia. O tipo de financiamento americano é maioritariamente de taxa fixa, pelo que, o aumento de taxa de juro não penaliza os contratos em vigor de crédito às empresas e das hipotecas das famílias. Por enquanto, afetou apenas atividade de novos créditos financeiros, bem refletidos na contração dos dados de evolução da atividade económica e de aquisição de novas casas. A atividade de crédito ao consumo também indicia um travão à economia interna. Por exemplo, o recurso ao buy now, pay later já se destaca como a solução ao consumo dos americanos. Neste ponto, consideramos que a economia americana poderá entrar em contração durante o primeiro semestre de 2024, ao ritmo da necessidade de novos financiamentos a taxas de juro mais elevadas. Em consequência, a inflação terá um abrandamento mais célere e a Fed poderá finalmente virar as fichas para a evolução do PIB, o que estimamos que traduzir-se-á em cortes das taxas de juro.

Europa

Apesar da inflação na zona euro estar praticamente no patamar pretendido, entendemos ser muito cedo para assumir que esteja controlada, antecipando mesmo que possa ser agravada nos próximos meses, já que os últimos aumentos com os custos com energia, as revisões salariais e sobretudo as despesas com habitação deverão pressionar este indicador. Por outro lado, não vemos mais espaço para novas subidas das taxas de juro já que importantes países, como é o caso da Alemanha e de França, estão a contrair. Pelo que antecipamos que estamos no ponto de inflexão das taxas de juro por parte do BCE. Estimamos que os países mais ocidentais vão manter um crescimento positivo, e a Alemanha deverá sair do ciclo recessivo que se encontra, terminando o ano 2024 no sentido positivo.

Japão

O ano foi marcado pelo regresso da inflação, com as várias medidas de política fiscal e monetária a terem um impacto direto no consumo interno. Em especial pelo efeito da maior subida salarial dos últimos 30 anos, ao estarem indexados à inflação, promoveram um impulso relevante na recuperação da economia nipónica. Na componente corporativa, esta recuperação reflete-se nas perspetivas de crescimento das empresas, impulsionadas também pela recuperação da sua relevância no comércio global, nomeadamente com a Coreia do Sul, Taiwan e EUA. A componente cambial também favoreceu os segmentos exportadores. Os setores melhor posicionados são os ligados à robotização, semicondutor, eletrodomésticos e químicos. O investimento na cibersegurança e digitalização também vai ter um impulso muito relevante, com o primeiro-ministro Kishida comprometido em reforçar o investimento na segurança nacional.

Mercados emergentes

Na China, a crise no imobiliário, um setor que representa cerca 30% do seu PIB, é o elefante na sala, e a maior preocupação das autoridades chinesas. Um setor com vários players em risco de default e com os preços das casas em queda. Adicionalmente, é uma economia que já não cresce ao ritmo das últimas décadas. Trata-se de uma sociedade mais envelhecida, cuja população ativa tem diminuído, pelo que tem como desafio reequilibrar o seu modelo de crescimento.

As autoridades têm introduzido alguns estímulos ao longo do ano, com algum impacto no curto prazo, mais propriamente sobre o consumo interno. Para o longo prazo, a intensificação de políticas protecionistas e o braço de ferro com os EUA deverá condicionar ainda mais as suas dinâmicas de crescimento. 

Quem se encontra na crista da onda do crescimento, e aproveitar do abrandamento da China, é a Índia e também alguns países do sudeste asiático, como, por exemplo, a Indonésia e Vietname. A Índia está a beneficiar da sua dinâmica de crescimento impulsionado pela sua demografia populosa, jovem e instruída que está a cativar muitas empresas globais a expandirem e diversificar as suas supply chains nas mais diversas indústrias em instalar nova capacidade no seu território.

Ações

Reiteramos a nossa preferência pelas quality growth, empresas com negócios robustos, fluxos de caixa resilientes ao ciclo recessivo, com elevadas barreiras à entrada e principalmente nas menos alavancadas, uma vez que as empresas com maior endividamento estão a ser as mais penalizadas pelos aumentos das taxas juro e pelo agravamento dos spreads de crédito especialmente nas que tenham de efetuar uma renovação mais célere das suas linhas de financiamento. Adicionalmente, as empresas tecnologicamente mais eficientes estão mais preparadas para evoluir a sua produtividade, estando assim mais bem posicionadas para preservar e até aumentar as suas margens, patenteando estas uma verdadeira arma contra a inflação. 

No mercado emergente, as ações chinesas continuam muito pressionadas com múltiplos em mínimos históricos face às congéneres ocidentais, contudo preferimos aguardar pelo regresso da confiança por parte dos consumidores chineses. Em sentido oposto, estamos sobreponderados nas ações indianas, uma economia que assume já o estatuto de maior contribuidor para o PIB mundial, sendo uma economia muito procurada pelo investimento estrangeiro e com um consumo interno em forte crescimento. 

Obrigações

As obrigações, tiveram um desempenho muito positivo, apesar de muitas ainda transacionarem com yields superiores face às que iniciaram o ano. O efeito carry acabou por proporcionar rentabilidades muito interessantes neste ano. O próximo ano, promete ainda ser mais interessante com yields de partida elevadas, sem as incertezas do agravamento das taxas de juro do último ano e não menos relevante, a possibilidade de os bancos centrais iniciarem já em 2024 os cortes das taxas de juro. Portanto, entendemos que o downside pelo efeito risco de taxa de juro está muito limitado, assumindo que o risco de crédito vai passar a ser o mais relevante, daí aumentarmos a exposição das nossas carteiras a obrigações de maior duração e de maior qualidade de crédito.

No cenário que se avizinha de abrandamento, ou mesmo em algumas economias de recessão, os bancos centrais já vão assumindo que o atual nível de taxas de juro será suficiente para direcionar a inflação para a meta pretendida. Neste panorama, as yields que transacionam face à inflação esperada deverá proporcionar rendimentos reais muito positivos, conjuntura não observável na última década.

Num cenário verosímil de maiores complicações de crédito por parte dos vários agentes económicos, os bancos centrais poderão ter de antecipar o corte das taxas de juro, o que se traduzirá em rentabilidades muito interessantes nas obrigações mais correlacionáveis às taxas de juro sem risco.

Posto isto, privilegiamos obrigações de empresas com elevada qualidade de crédito emitidas em moeda forte (EUR e USD), neste segmento já incrementámos em duração e em subordinadas. 

Maiores riscos

Apesar de ainda não materializada e do mercado estar muito dividido quanto à sua concretização, observamos o risco de estagnação do crescimento económico nos EUA já muito implícito nos preços na generalidade dos ativos financeiros, sobretudo nos mais sensíveis a esta fase do ciclo. Adicionalmente, o conflito armado no Médio Oriente e a guerra na Ucrânia continuam sem solução à vista, para além do desastre humanitário, vão continuar a condicionar os vários fluxos comerciais. Não menos relevante, o protecionismo entre os dois grandes blocos mundiais, China e EUA, que deverão intensificar a tema da desglobalização, num ano marcado pela campanha eleitoral nos EUA com sufrágio a ter lugar no final de 2024 que promete intensificar estas entropias ao comércio global.

ESG

Estamos convictos da importância das políticas de sustentabilidade, e o mundo deve ir nessa direção, todavia precisam de ser mais integradas e não por simples decreto. A sociedade em geral deve ter essa consciência e monitorizá-las sem serem obrigados a regras que mudam com demasiada frequência. Neste segmento privilegiamos empresas com impacto mais objetivo, mais transparente e que otimizem a relação retorno/risco.

As políticas ESG ainda têm um longo caminho a percorrer em direção a critérios mais harmonizados e objetivos. Nesta conjuntura, encontramos um maior risco de greenwashing neste quadro menos harmonizado e é um risco que pretendemos minimizar.

Fundo recomendado

Recomendamos o fundo Optimize Global Bond, um fundo de obrigações com abordagem global e um track record superior a 10 anos. Um fundo bem diversificado, que está maioritariamente investido em obrigações de empresas de Investment Grade, e que pretende minimizar o risco cambial, com uma exposição superior a 80% a emissões globais cotadas em euros. Transaciona aproximadamente com uma yield implícita de 6% e duração de 5 anos. Consideramos tratar-se de uma solução interessante para a componente conservadora das carteiras.

Conclusão

O próximo ano promete ser muito desafiante em termos económicos, nomeadamente pela materialização das recentes subidas das taxas de juro e da perda do poder de compra da população. Paradoxalmente, para os mercados financeiros, o cenário está menos incerto e mais otimista, uma vez que as quedas deste ano já incorporam um abrandamento da economia, sendo esperada e já implícito nos preços dos ativos financeiros, uma possível contração moderada.

O ambiente de inflação nula e taxas de juro baixas ou negativas que presenciámos nos últimos anos promete estar definitivamente afastado, sendo aguardado para os próximos anos uma conjuntura de inflação normalizada e em que as obrigações proporcionem um rendimento acima da inflação.